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Crédito, AFP
- Author, Thais Carrança
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
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O crescimento da parcela de brasileiros que se declaram evangélicos perdeu força pela primeira vez desde 1960, revelam os resultados preliminares sobre religiões do Censo 2022, divulgados nesta sexta-feira (6/6) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Conforme o IBGE, 26,9% dos brasileiros ou 47,4 milhões se declaravam evangélicos em 2022, ante 21,7% em 2010.
O avanço é de 5,2 pontos percentuais (p.p.), abaixo da alta de 6,5 pontos registrada entre os censos de 2000 e 2010 e primeira desaceleração na tendência de crescimento em 62 anos.
A parcela de católicos recuou de 65% em 2010 para 56,7% em 2022, somando 100,2 milhões e dando continuidade à tendência de perda de força da religião no país que, neste Censo, mostra a maior diversidade religiosa de sua história.
Até a década de 1970, mais de 90% dos brasileiros se declaravam católicos.
Como parte desta maior diversidade, os adeptos da umbanda e candomblé mais do que triplicaram entre as duas edições mais recentes do Censo, passando de 0,3% da população para 1% — ou de 525,6 mil fiéis para 1,8 milhão.
Também cresceu o número de brasileiros que se declaram sem religião, que passaram de 7,9% para 9,3%, somando 16,4 milhões.
Neste grupo estão incluídos agnósticos e ateus, mas também brasileiros que têm fé, mas não seguem nenhuma religião institucionalizada.
O IBGE, no entanto, não apresentou dados desagregados para esse grupo, por tratar-se de uma divulgação preliminar. Segundo os técnicos do instituto, ainda está sendo avaliado se será possível divulgar os dados desagregados, devido a problemas com a qualidade das informações coletadas.
O Censo de 2022 foi marcado por atrasos devido à pandemia e a cortes de orçamento durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
O IBGE também enfrenta dificuldades para processar os dados devido à falta de funcionários, um dos motivos para as estatísticas de religião estarem sendo divulgadas quase três anos após a coleta dos dados — os números sobre religião do Censo de 2010 foram divulgados dois anos depois da coleta, em 2012.
O Censo 2022 mostra ainda um avanço das outras religiosidades, de 2,7% para 4%.
Neste grupo estão incluídos praticantes do judaísmo, islamismo, hinduísmo, budismo, católicos ortodoxos, testemunhas de Jeová, entre outras expressões de religiosidade, como os brasileiros que se declaram “cristãos”.
O Censo registra também um pequeno declínio do espiritismo, de 2,2% para 1,8%.
Os que professam tradições indígenas eram 0,1%, enquanto 0,2% não sabiam ou não declararam sua religião.
No Censo 2022, os brasileiros de 10 anos ou mais de idade responderam à pergunta “Qual a sua religião ou culto?”. A resposta era aberta, com os dados coletados sendo posteriormente reclassificados, na fase de tratamento, para se encaixar em um dos oito grandes grupos religiosos:
- Católica Apostólica Romana
- Evangélicas
- Espírita
- Umbanda e Candomblé
- Tradições indígenas
- Outras religiosidades
- Sem religião
- Sem declaração
Confira 8 destaques dos dados de religião do Censo de 2022 do IBGE.
1. Avanço evangélico perde força
Desde que começou a constar como uma categoria no Censo, em 1890, a religião evangélica cresce no Brasil, década após década.
Entre os censos de 1960 e 1970 esse crescimento começou a acelerar e, a partir de então, a cada edição do Censo, a variação da população evangélica em relação à edição anterior da pesquisa era maior, até o auge desse ganho de ímpeto, registrado entre 1991 e 2010.
No Censo 2022, embora a população evangélica continue a crescer, pela primeira vez em décadas esse crescimento é menor do que no período anterior.
Apesar de inédita no Censo, essa perda de ímpeto do avanço evangélico já vinha sendo percebida por especialistas em religião nos últimos anos.
Silvia Fernandes, cientista social e professora da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), apontou em entrevista à BBC News Brasil em 2022 alguns fatores que ajudam a explicar essa desaceleração do crescimento evangélico.
Em primeiro lugar, disse Fernandes, as igrejas pentecostais e neopentecostais deixaram de ser uma novidade. Um segundo fator é a diversificação na oferta dessas igrejas, o que faz com que elas disputem entre si pelos fiéis.
Por fim, na visão da especialista, com as igrejas evangélicas já em atividade há décadas no país, há uma parcela dos fiéis que se decepcionaram com promessas não cumpridas de cura, milagres e prosperidade, ou que não conseguem se integrar às rígidas normas morais e comportamentais dessas instituições religiosas.
Uma parte desses decepcionados têm deixado sua igreja, mas não o universo evangélico, são os chamados “desigrejados”.
Eles podem ser classificados no Censo como sem religião ou adeptos de outras religiosidades, a depender de suas respostas.
Crédito, Getty Images
Ao mesmo tempo em que o avanço evangélico perdeu força, a perda de fiéis pela Igreja Católica também desacelerou.
Ela atingiu seu auge entre os censos de 2000 e 2010, quando a parcela de católicos foi de 74,1% para 65,1%, numa variação negativa de 9 pontos percentuais — a maior já registrada até então.
Entre 2010 e 2022, a parcela de católicos recuou de 65,1% para 56,7%, variação negativa de 8,4 pontos.
2. Adeptos da umbanda e candomblé mais do que triplicam
Embora com participação pequena no espectro religioso brasileiro, os adeptos das religiões de matriz africana mais do que triplicaram entre os censos de 2010 e 2022, mostra o IBGE.
Eles passaram de 525,6 mil para 1,8 milhão, um crescimento de 252% — o maior registrado entre as religiões pesquisadas, considerando a variação no número proporcional de fiéis.
Com isso, a parcela dos seguidores da umbanda e do candomblé passou de 0,3% para 1% da população brasileira.
“Há um movimento nos últimos anos contra a intolerância religiosa, com essas pessoas se colocando [publicamente] como umbandistas e candomblecistas”, destaca Maria Goreth Santos, analista responsável pelo tema de religiões no Censo 2022.
Segundo a técnica do IBGE, pode haver também uma migração de pessoas que antes se declaravam espíritas ou católicas, porque tinham medo de se afirmar umbandistas e candomblecistas.
Regina Novaes, pesquisadora do Iser (Instituto Superior de Estudos da Religião), também falou à BBC News Brasil em 2022 sobre esse avanço das religiões de matriz africana no Brasil, que ela credita ao fortalecimento da luta antirracista no país.
“Junto à questão racial, vem a questão da ancestralidade. Então há muitos jovens que deixam de ser católicos, protestantes, evangélicos e se ligam a um terreiro, a uma mãe de santo ou pai de santo”, disse Novaes.
Também no Censo de 2022, a população autodeclarada de cor ou raça preta cresceu 42% e os pardos se tornaram o maior grupo racial, superando os brancos pela primeira vez, movimentos que também são avaliados como um reflexo da valorização da negritude nos últimos anos.
3. Mais brasileiros se dizem sem religião
O Censo 2022 confirmou outra tendência que já vinha sendo apontada por especialistas e por pesquisas de opinião: o avanço da parcela de brasileiros que se dizem sem religião.
Esse grupo passou de 12,8 milhões de pessoas em 2010, para 16,4 milhões em 2022, um crescimento de 28%.
Com isso, a parcela de pessoas sem religião passou de 7,9% para 9,3% nesse período.
Embora o IBGE não tenha divulgado ainda dados desagregados, sabe-se que ateus e agnósticos são uma minoria dentro deste grupo — no Censo de 2010, por exemplo, ateus eram 4% dos sem religião e agnósticos, 0,8%.
“A maior parcela dos sem religião tem a ver com uma desinstitucionalização, o que quer dizer que o sujeito está afastado das instituições religiosas, mas ele pode ter uma visão de mundo e até mesmo práticas pessoais informadas por crenças religiosas”, explicou Silvia Fernandes, da UFRRJ, em 2022.
“Então esse sujeito é sem religião porque não está vinculado a uma igreja, porque não frequenta, mas pode ter crenças relacionadas a alguma religião que já teve ou ter uma dimensão mais pluralista da religiosidade”, disse então a especialista.
“Ele incorpora elementos de uma espiritualidade mais fluida, pode fazer um sincretismo [misturar elementos de diferentes religiões], pode ter crenças muito associadas ao universo do cristianismo — acreditar em Deus, em Jesus, em Maria — mas seguir se declarando sem religião.”
4. Jovens são os que mais se declaram sem religião
Conforme o Censo, enquanto a religião católica tem mais força entre brasileiros mais velhos e a evangélica entre os mais jovens, uma proporção maior de brasileiros se declara sem religião na adolescência e no início da vida adulta, fases da vida marcadas pela experimentação.
“Há uma trajetória de busca e experimentação [religiosa] que foi colocada para as novas gerações que não era colocada para as antigas”, destacou Regina Novaes, do Iser.
Ela observou que, atualmente, muitos jovens crescem em famílias plurirreligiosas, por exemplo, com avó mãe de santo, pai católico não praticante e mãe evangélica. Esses jovens não sentem a obrigação de seguir uma religião de família e tendem a buscar uma religiosidade própria.
Essa fase de experimentação pode seguir dois caminhos: uma busca que resulta mais tarde na escolha de uma religião; ou a construção de uma síntese pessoal, em que a pessoa se diz “sem religião” por não pertencer a nenhuma igreja, mas combina diversos elementos de fé.
Assim, segundo os especialistas, parte dos brasileiros que se dizem sem religião são na verdade brasileiros em trânsito religioso, o que os novos dados de religião do Censo por faixa etária parecem confirmar.
5. Espiritismo perde fiéis
A Igreja Católica não foi a única a perder fiéis nos últimos 12 anos, revelou o IBGE nesta sexta-feira.
O espiritismo também encolheu ligeiramente no Brasil, passando de 3,5 milhões de fiéis, para 3,3 milhões, uma queda de 7%.
Com isso, a participação de espíritas na população brasileira recuou de 2,1% para 1,8%.
Apesar de sua participação reduzida, o Brasil é o país com maior número de espíritas do mundo.
A religião surgiu na França, na segunda metade do século 19, por intermédio de Allan Kardec, e avançou no Brasil através da publicação de sua obra O Livro dos Espíritos e posteriormente da figura de Chico Xavier, médium que popularizou a doutrina através de suas obras psicografadas e atividades de caridade.
6. Norte é a região mais evangélica e Nordeste, a mais católica
Apesar da perda de fiéis, o catolicismo continua sendo a principal religião em todas as regiões brasileiras, com destaque para o Nordeste (63,9% da população) e o Sul (62,4%).
Já os evangélicos têm maior presença no Norte (36,8%) e Centro-Oeste (31,4%).
A tendência é similar àquela observada no Censo de 2010, quando especialistas destacaram a influência do avanço da fronteira agrícola e dos deslocamentos populacionais no padrão geográfico da expansão evangélica brasileira.
“A mudança se dá no processo migratório”, afirmou em 2012 o cientista político Cesar Romero Jacob, professor da PUC-Rio, em entrevista à BBC News Brasil.
“O crescimento das igrejas evangélicas se dá basicamente na fronteira agrícola e mineral do país e nas favelas e municípios de regiões metropolitanas. O que há em comum entre esses dois elementos? Os migrantes”, ressaltou ele.
As periferias urbanas e fronteiras do desenvolvimento agrícola e mineral são marcadas pela ausência do Estado e da Igreja Católica, que não tem a mesma agilidade que as evangélicas para deslocar padres e paróquias, observou então o especialista.
Por Estados, Piauí (77,4%), Ceará (70,4%) e Paraíba (69%) são os mais católicos, enquanto Roraima (37,9%), Rio de Janeiro (38,9%) e Acre (38,9%) são os menos.
Já a maior presença evangélica está no Acre (44,4%), Rondônia (41,1%) e Amazonas (39,4%) e a menor no Piauí (15,6%), Sergipe (18,3%) e Ceará (20,8%).
Acre e Rondônia são os únicos dois Estados do país onde evangélicos superam católicos.
Crédito, Getty Images
Conforme o Censo 2022, os espíritas têm maior concentração na região Sudeste (2,7%) e umbandistas e candomblecistas na região Sul (1,6%) — com o Rio Grande do Sul como o Estado com maior parcela de seguidores das religiões de matriz africana, com 3,2%, seguido pelo Rio de Janeiro (2,6%) e São Paulo (1,5%).
O dado pode parecer curioso, mas não é novo, os gaúchos já se destacavam como os mais umbandistas e candomblecistas do país no Censo de 2010.
O Rio Grande do Sul também abriga 14 dos 20 municípios onde católicos superam 95% da população.
Entre aqueles com maior proporção de católicos, se destacam municípios marcados pela imigração italiana ou polonesa, como Montauri (98,3%), Centenário (97,8%), União da Serra (96,8%), Vespasiano Corrêa (96,7%), destacou o técnico do IBGE Bruno Mandelli Perez.
Já os municípios com maior proporção de evangélicos são marcados por colonização alemão ou pomerana, observou Perez.
São eles Arroio do Padre (RS), Arabutã (SC) e Santa Maria de Jetibá (ES), com 88,7%, 76,5% e 73,5% de evangélicos, respectivamente.
Crédito, Wikimedia Commons
No Censo, a categoria evangélica abrange também as igrejas protestantes tradicionais, como a Luterana, Presbiteriana, Metodista, Batista e Adventista, entre outras.
Para o Censo de 2010, o IBGE divulgou a categoria de forma desagregada, o que também permitia saber quais eram as igrejas evangélicas pentecostais com maior número de seguidores.
Para o Censo de 2022, o instituto ainda avalia se será possível publicar os dados de forma desagregada, segundo o analista do IBGE Luiz Felipe Walter Barros.
Crédito, Vinícius Mendes/BBC
Por cor ou raça, chama a atenção no Censo de 2022 o fato de que os indígenas são o grupo étnico brasileiro com maior proporção de evangélicos.
Do total de indígenas, 32,2% são evangélicos, comparado a 30% dos pretos, 29,3% dos pardos, 23,5% dos brancos e 14,3% dos amarelos.
Ainda entre os indígenas, 42,7% se dizem católicos, 11% se declaram sem religião e 7,6% são fiéis a tradições religiosas indígenas.
Os pretos têm a maior proporção de adeptos da umbanda e candomblé (2,3%), enquanto os amarelos são os que mais se declaram sem religião (16,2%).
Também é possível analisar os dados pela representatividade dos grupos raciais dentro de cada religião.
Entre os católicos, por exemplo, brancos são o maior grupo racial (45,9%). Já entre os evangélicos, a maior parcela são pardos (49,1%).
Entre os espíritas, há maioria de brancos (63,8%), que também são o maior grupo racial entre umbandistas e candomblecistas (42,9%).
Entre adeptos de tradições indígenas, 74,5% são indígenas. E entre os sem religião, a maior parcela é parda (45,1%).
8. Espíritas, umbandistas e candomblecistas são os mais instruídos
Os seguidores de tradições indígenas apresentam a maior taxa de analfabetismo (24,6%), muito acima de católicos (7,8%) e evangélicos (5,4%), enquanto os espíritas têm a menor taxa (1%).
Os espíritas, por outro lado, são os mais instruídos: 48% deles têm ensino superior completo, informou o IBGE, seguidos pelos umbandistas e candomblecistas (25,5%) e adeptos de outras religiosidades (23,6%).
Na outra ponta, os brasileiros de tradições indígenas (12,2%) e evangélicos (14,4%) são os grupos religiosos com menor parcela de diplomados.
Gráficos por Carla Rosch e Caroline Souza, da Equipe de Jornalismo Visual da BBC Brasil