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Crédito, Getty Images
A investigação, comunicada oficialmente pelo Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês), já era esperada e havia sido mencionada na carta divulgada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na semana passada, em que ele ameaçou impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros.
Ao justificar as tarifas, Trump mencionou o fato de o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estar sendo a um processo judicial que ele classificou como uma “caça às bruxas” e um suposto déficit na relação comercial entre Brasil e os Estados Unidos.
O governo brasileiro, no entanto, rebate as acusações afirmando que os americanos têm um saldo positivo na balança comercial com o Brasil de mais de US$ 400 bilhões nos últimos 15 anos.
Mas um dos fatores que mais chamou atenção na investigação anunciada nesta semana foi o fato de que, oficialmente, ela irá apurar eventuais irregularidades na adoção de um mecanismo que se tornou uma espécie de “paixão nacional” do brasileiro: o Pix.
A intensa adesão da ferramenta pelo brasileiro fez com que a “paternidade” do Pix fosse disputada politicamente. O mecanismo foi desenvolvido pelo Banco Central durante o governo de Michel Temer (MDB), mas foi lançado em novembro de 2020, quando o Brasil era governado por Bolsonaro.
No documento divulgado pelo USTR, o órgão faz uma menção indireta ao Pix como um dos motivos para a investigação contra o Brasil. Segundo o relatório, um sistema “desenvolvido pelo governo” poderia estar prejudicando empresas americanas que atuam no setor de pagamentos.
“O Brasil também parece envolver-se em uma série de práticas desleais em relação aos serviços de pagamento eletrônico, incluindo, mas não se limitando a promover seu serviço de pagamento eletrônico desenvolvido pelo governo”, diz um trecho do documento que não elenca a quais práticas supostamente ilegais ele se refere.
“(Trump) Está preocupado com o meio de pagamento que um país adota, que é abraçado por todos, pela população, pelas empresas, pelo sistema financeiro, que é o Pix. É inacreditável algo dessa natureza”, disse o ministro da Casa Civil, Rui Costa, nesta quarta-feira (16/7), durante entrevista coletiva.
Nas redes sociais, o perfil oficial do governo brasileiro chegou a fazer uma postagem explorando o assunto.
“O Pix é nosso, my friend”, diz a postagem.
Mas por que os Estados Unidos estão mirando o Pix? De que forma ele poderia prejudicar empresas norte-americanas? E quais as consequências desse tipo de investigação para o Brasil?
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que um dos motivos pelos quais os Estados Unidos podem ter incluído o Pix nessa investigação seria a tentativa de proteger interesses de empresas de pagamentos e de tecnologia americanas, as chamadas big techs, cujos principais diretores apoiam o governo de Donald Trump.
A BBC News Brasil enviou perguntas ao escritório americano responsável pela investigação, mas não recebeu nenhuma resposta até momento.
Crédito, Reprodução/X/Governo Federal
Ataque ao Pix?
A investigação sobre o Pix faz parte de uma recente investida do governo americano contra práticas supostamente desleais do Brasil no comércio internacional.
Além do Pix, a investigação vai se debruçar sobre temas como a falta de ações efetivas do Brasil no combate à pirataria e falsificação de produtos americanos, deficiências no combate à corrupção e até mesmo supostas vantagens que fazendeiros brasileiros estariam tendo sobre os americanos por plantarem soja e criarem gado em áreas desmatadas ilegalmente.
Esse tipo de investigação já foi utilizada recentemente pelos Estados Unidos contra outros países como a China e a Indonésia.
Para a economista e professora da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) Carla Beni, um dos motivos pelos quais a administração Trump direcionou suas atenções ao Pix pode ter relação com os interesses de empresas americanas no setor financeiro.
Segundo ela, a implantação do Pix, que funciona como um sistema gratuito de pagamentos e transferência de valores, empresas americanas que atuam ou pretendem atuar no setor podem ter se sentido prejudicadas.
“As maiores empresas de cartão de crédito do mundo perderam mercado com o desenvolvimento do Pix e tendem a perder mais ainda com a evolução do serviço com a criação do Pix crédito ou Pix parcelado […] também temos o caso da Meta, que também pretendia entrar nesse segmento no Brasil”, diz Beni à BBC News Brasil.
Para a economista, isso a administração Trump estaria atuando tentando garantir mercados para empresas dos EUA.
“O governo está fazendo uma varredura onde as empresas americanas podem estar sendo prejudicadas. Do ponto de vista brasileiro, é um ataque à soberania do país, à medida que estamos falando de um sistema de pagamentos desenvolvido e implementado pelo Brasil”, afirma.
A menção a possíveis interesses de empresas americanas prejudicadas pelo Pix voltaram à tona nesta quarta-feira após o anúncio da investigação do USTR.
O caso que ganhou repercussão foi o da Meta, controlada por Mark Zuckerberg, um dos apoiadores de Trump e que esteve na sua cerimônia de posse.
Em 2020, a empresa controladora do Facebook, WhatsApp e Instagram, tentou implementar um sistema de pagamentos eletrônico baseado no aplicativo de mensagens WhatsApp no Brasil. O sistema se chamava “Facebook Pay”.
O sistema, no entanto, foi suspenso pelo Banco Central e pelo Conselho de Administração de Defesa Econômica (Cade).
O BC alegou que a suspensão visava preservar o ambiente de competição entre diferentes atores do mercado de pagamentos. O sistema foi posteriormente posto em funcionamento.
A avaliação do advogado especialista em direito internacional e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná, Frederico Glitz, é semelhante. Segundo ele, embora o documento do USTR não faça menção direta ao Pix, o setor financeiro entende que a investigação iniciada atingirá, sim, o dispositivo.
“O que aconteceu é que o Pix afastou a dependência tanto das big techs quanto das bandeiras de cartões de crédito, que são tradicionalmente norte-americanas. Por isso que presumimos que o Pix tenha virado alvo de retaliação”, diz Glitz à BBC News Brasil.
Para Glitz, a investigação iniciada pelo USTR é mais um elemento de pressão do governo americano sobre o Brasil.
“Esse mecanismo permite à autoridade norte-americana, dependendo do fim da investigação, impor tarifas adicionais sobre o Brasil e, no limite, até mesmo proibir a importação de alguns produtos”, diz o advogado.
Esta não é a primeira vez que o governo americano atua contra um sistema de pagamentos instantâneo de outro país.
Em março deste ano, o USTR abriu uma investigação contra um sistema parecido com o Pix e operado pela Indonésia. O sistema, batizado de QRIS, permite o pagamento instantâneo por meio de QR codes.
Para o governo americano, o sistema prejudicou empresas dos Estados Unidos.
“As empresas dos EUA, incluindo prestadores de serviços de pagamento e bancos, manifestaram preocupação pelo fato de, durante o processo de elaboração do sistema de QR code, as partes internacionais interessadas não terem sido informadas da natureza das potenciais alterações e nem terem tido a oportunidade de explicar suas opiniões sobre este sistema”, diz um trecho do comunicado sobre a investigação contra a Indonésia.
A BBC News Brasil enviou questões ao USTR sobre os motivos que levaram o governo americano a abrir uma investigação sobre o Pix. Nenhuma resposta foi enviada até o momento.
A BBC News Brasil também enviou questionamentos à Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e ao Banco Central, mas nenhum deles enviou respostas à reportagem.
Crédito, Getty Images
O que é o Pix?
O Pix é um sistema eletrônico de pagamentos e transferência de valores instantâneo e sem custos para o usuário.
Ele foi desenvolvido durante a gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB), mas foi lançado em 2020, durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Após o seu lançamento, o Pix substituiu, em grande parte, as transferências eletrônica de valores como TED e o DOC.
De acordo com dados do Banco Central, até o fim de maio, o Pix tinha 175,47 milhões de usuários. Desse total, 159,92 milhões são pessoas físicas e 15,56 milhões são pessoas jurídicas.
Em abril deste ano, ainda de acordo com o BC, o Pix movimentou R$ 2,677 trilhões.
Especialistas afirmam que a gratuidade do uso da ferramenta beneficiou pessoas de baixa renda, empreendedores e micro-empresas que passaram a poder movimentar seus recursos a um custo menor do que fariam pagando taxas de cartão de crédito ou tarifas por DOCs ou TEDs.
Em junho, o Banco Central lançou mais uma funcionalidade do Pix com potencial para diminuir a fatia de provedoras tradicionais de pagamentos como operadoras de cartão de crédito. Trata-se do “Pix automático”. Nesta modalidade, o usuário pode programar pagamentos recorrentes.
A modalidade tem o objetivo de facilitar pagamentos de serviços como contas de luz e gás, plataformas de streaming (transmissão digital de vídeo e áudio, sem necessidade de baixar conteúdo), mensalidades de academias de ginástica e escolas, entre outros — todos emitidos por pessoa jurídica (PJ).
O Pix Automático pode ter valor fixo ou variável.
Segundo uma projeção da fintech (empresa especializada em tecnologia financeira) EBANX, somente o Pix Automático deve movimentar pelo menos US$ 30 bilhões no comércio digital brasileiro nos próximos dois anos.
O EBANX também estima que, até 2027, o Pix Automático vai representar 12% do volume anual financeiro movimentado em todas as modalidades de Pix no comércio digital.
Em 2024, o Pix foi a forma de pagamento que mais cresceu no Brasil, com aumento de 52% no número de transações, segundo dados do BC (o levantamento não inclui operações com dinheiro vivo).
No último trimestre do ano passado, quase metade das transações (47%) foram feitas com Pix no Brasil (novamente, sem incluir operações com dinheiro vivo).