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Crédito, Reprodução/YouTube/@felcaseita
Adultização. Esta única palavra é o título de um vídeo de 50 minutos que em cinco dias alcançou quase 34 milhões de visualizações no YouTube, furou bolhas nas redes sociais e ampliou o debate sobre a segurança de crianças e adolescentes na internet.
Publicado pelo influenciador Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, o vídeo denuncia produtores de conteúdo que exploram crianças e adolescentes nas redes sociais, além de cobrar as plataformas que monetizam este tipo de vídeo.
O influenciador de 27 anos realiza um experimento: cria um perfil do zero e começa a curtir fotos de crianças em poses ou contextos sugestivos. O resultado que o influenciador apresenta é como o algoritmo do Instagram rapidamente se “condiciona” a entregar conteúdo sexualizado de crianças, replicando o comportamento de pedófilos e revelando como as redes sociais podem conectar redes de pedofilia.
Um dos casos denunciados é de Hytalo Santos. Com mais de 20 milhões de seguidores nas redes sociais, Santos mostrava, em seu canal, adolescentes que ele chamava de “turma do Hytalo” e “filhos” fazendo danças sensuais, além de outros contextos com conotações sexuais.
O perfil de Hytalo, que já era alvo de investigação do Ministério Público da Paraíba desde 2024, foi derrubado do Instagram e do TikTok após o vídeo de Felca viralizar.
O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) proíbe adultos de explorar imagens que violem a dignidade e a intimidade de crianças e que as exponham a vexame ou constrangimento — com pena de seis meses a dois anos de prisão.
Em entrevista ao podcast PodDelas, Felca afirmou que passou a andar de carro blindado e seguranças para se proteger de ameaças após publicar vídeos com as denúncias.
“Existe uma ameaça de processo. E gente conta com isso, que vai existir alguns processos aí. Mas é o lado da verdade. Se ninguém fala, ninguém vai falar”, afirmou.
“Quando eu tive a ideia de fazer o vídeo, foi há mais de um ano”, contou na entrevista ao podcast. “Eu realmente mergulhei no lamaçal. Foi muito aversivo fazer esse vídeo. É terrível a gente olhar essas cenas. Dá vontade de chorar, de vomitar, é terrível.”
O que é adultização
Embora tenha ganhado destaque com o vídeo de Felca, a adultização não é um comportamento novo. É o que explica a advogada Luciana Temer, presidente do Instituto Liberta, organização que trabalha com a prevenção da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, e professora doutora em Direito Constitucional na PUC-SP.
“Adultização é não respeitar um desenvolvimento regular e saudável das crianças e impor padrões que são adultos. Mas precisamos lembrar que essa adultização de crianças acontece há muito tempo no país. Quando falamos de trabalho infantil, por exemplo, é sobre adultização. Quando fala de sexualização precoce ou de gravidez na adolescência, também”, afirma.
Para ela, o debate sobre a adultização pelas redes sociais tem a diferença de alcance e impacto.
“As consequências das violências contra crianças e adolescentes são sempre muito graves, seja presencial, no mundo real, ou no virtual. O que acontece é que, no mundo virtual, ela se espalha em outra velocidade”, afirma.
“As consequências dessa exposição também são muito perversas e talvez até mais, porque a criança explorada na internet vai crescer, mas aquela imagem vai ficar ali para sempre.”
Crédito, Divulgação
Ela ressalta que diversas organizações da sociedade civil denunciam o tema há muito tempo — como o Liberta, a Abrinq e o próprio Ministério Público. Mas sem os números que o influenciador alcançou.
“Ninguém conseguiu o efeito que ele conseguiu. O vídeo está muito bem construído, a narrativa é muito bem feita. Existe uma exposição daquelas crianças, que não deixa de ser uma revitimização, mas acho que, nesse caso, elas não estão sendo vitimizadas por ele. Elas já foram vitimizadas.”
O caso de Hytalo Santos, por exemplo, já havia sido alvo de matérias jornalísticas. Temer conta que ela mesma já havia dado entrevista sobre o influenciador há mais ou menos oito meses. O Ministério Público já estava olhando o caso há quase dois anos.
“Agora, o Felca conseguiu derrubar. Foi muito poderoso e importante. Não sei por que viralizou, mas agradeço muito o fato de ter viralizado, porque causou um impacto e furou bolhas”, explica.
“Ele conseguiu o fenômeno de ter Érika Hilton e Nikolas Ferreira elogiando o vídeo ao mesmo tempo. Isso gerou um senso de urgência e unanimidade muito importante para quem lida com o enfrentamento das violências sexuais contra crianças e adolescentes, inclusive no meio virtual.”
Regulação das plataformas
Depois do boom do vídeo de Felca, a discussão se espalhou por grupos de direita e esquerda e ganhou destaque no mundo político.
A Câmara dos Deputados recebeu projetos de lei que tratam da exploração de menores na internet. O presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), prometeu pautar propostas sobre o tema.
A ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT-RS), defendeu a responsabilização das plataformas digitais para que a internet deixe de ser, segundo ela, “uma arma poderosa nas mãos de pedófilos, incitadores de mutilações e suicídios, golpistas e criminosos”.
Já a primeira-dama, Janja Lula da Silva, também se manifestou pela defesa da regulamentação das redes sociais para proteger crianças e adolescentes.
Nesta terça-feira (12/8), Janja publicou no Instagram que “as redes sociais não são um ambiente seguro para crianças e adolescentes” e “nossas crianças correm riscos seríssimos na internet, sendo expostas a todo tipo de violência”.
No Senado, a denúncia de Felca motivou a apresentação de um pedido de CPI para investigar influenciadores e plataformas digitais.
A proposta é dos senadores Jaime Bagatolli (PL-RO) e Damares Alves (Republicanos-DF) e já conta com mais de 60 assinaturas. O Republicanos também pretende apresentar a chamada “Lei Felca”, que prevê endurecer penas e obrigar as plataformas a retirar rapidamente conteúdos ofensivos.
Luciana Temer afirma que o momento deveria ser aproveitado para avançar em medidas legislativas sobre o tema. Ela cita o Projeto de Lei 2.628/2020, que pauta proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais.
“Estamos pleiteando que haja regime de urgência para que ele não precise passar pelas comissões”, afirma. “Esse projeto traz preocupações e instrumentos de proteção no meio virtual, incluindo a responsabilização das plataformas pela circulação de conteúdos indevidos”.
Segundo Temer, a proposta traz instrumentos de proteção no meio virtual, incluindo a responsabilização das plataformas pela circulação de conteúdos indevidos.
O texto prevê, por exemplo, a retirada imediata e sem necessidade de ordem judicial de conteúdos com abuso e exploração sexual de crianças.
O texto também trata da verificação etária para uso de plataformas na internet. Hoje, o acesso acontece após autodeclaração: basta marcar uma idade superior para acessar sites restritos.
“Esperamos que, com a aprovação, as plataformas sejam obrigadas a fazer uma verificação real, com comprovação de idade”, diz. “Isso não é inovação brasileira — já acontece na Austrália, no Reino Unido e na França. Outro ponto essencial, que não está no projeto, mas deveria estar, é a proibição de monetização de vídeos com crianças.”
A França promulgou uma lei no ano passado que exige que sites pornográficos implementem tecnologia mais rigorosa de verificação de idade. Sites como o Pornhub decidiram deixar de operar após a exigência.
Nos Estados Unidos, estados aprovaram leis que exigem que sites pornôs confirmem a idade do usuário, seja com verificação de documento de identidade oficial ou escaneando seu rosto.
No Brasil, após o vídeo-denúncia de Felca, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, voltou a defender a regulamentação das redes e disse que o governo Lula (PT) enviará uma proposta de lei “nos próximos dias”.
Temer diz que o outro ponto essencial é a proibição de monetização de vídeos com crianças. Segundo a advogada, as plataformas não se empenham na moderação de conteúdo porque a lei não as obriga.
“Isso exige investimento em tecnologia e monitoramento — custa dinheiro. Se não forem obrigadas a gastar, ficam apenas com o lucro. Além disso, monetizações de vídeos também geram receita para elas”, diz.
“Não quero demonizar as plataformas, mas elas precisam assumir responsabilidade, e só farão isso se forem pressionadas. O vídeo do Felca trouxe essa consciência para a sociedade.”
Temer pontua que a discussão sobre regulação no Brasil começou com foco nas fake news, o que politizou o debate.
“A proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais não trata disso: fala apenas de proteção de crianças e adolescentes no meio virtual”, afirma. “A tecnologia existe, é acessível e não tem relação com censura ou liberdade de expressão — é apenas proteção ao desenvolvimento saudável delas.”