Nesta terça-feira (23), representantes do Brasil, Chile e Peru se reuniram virtualmente no Encontro Cultura Viva Comunitária no Mercosul: boas práticas. A atividade, transmitida pelo canal oficial do MinC no YouTube, buscou compartilhar experiências comunitárias reconhecidas como referência em seus países e fortalecer a integração cultural da região.
O encontro reforçou o conceito de “cultura viva comunitária”, expressão que surgiu a partir da experiência brasileira dos Pontos de Cultura, criados em 2004 e transformados em Política Nacional de Cultura Viva em 2014. O modelo inspirou iniciativas semelhantes em diversos países latino-americanos, como Argentina, Peru, Costa Rica, Uruguai, Paraguai e Chile, consolidando-se como um marco de transformação social e de valorização da diversidade cultural.
Durante as apresentações, representantes dos países compartilharam experiências de organizações culturais comunitárias que atuam em territórios locais, fortalecendo a educação, a comunicação popular, as expressões artísticas e os saberes tradicionais. Essas práticas mostram como a cultura pode ser um elo fundamental para a transformação social, especialmente em comunidades em situação de vulnerabilidade.
Na abertura, a secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, Márcia Rollemberg, contextualizou a reunião e ressaltou o papel do Brasil na construção de políticas culturais comunitárias. Segundo ela, o encontro tem como objetivo trocar boas práticas entre os países do Mercosul, com destaque para experiências do Brasil e Chile.
Márcia enfatizou a dimensão territorial e a importância de políticas nacionais de base comunitária, associando a Política Nacional de Cultura Viva à Política Aldir Blanc de financiamento. “A Cultura Viva é uma política afirmativa de direitos culturais, que junto com a Política Nacional Aldir Blanc, que traz o financiamento, acaba por reforçar todos esses direitos”, explicou.
O Brasil tem hoje 8 mil Pontos de Cultura certificados no Cadastro Nacional, coordenado pelo Ministério da Cultura, abrangendo mais de 1.600 municípios. Para garantir o fortalecimento dessa rede, a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura destinou um piso de investimento anual para a Cultura Viva de, pelo menos, R$ 400 milhões. Os recursos são repassados pelo MinC para os entes federados aplicarem em suas respectivas redes de Cultura Viva.
“A Cultura Viva promove e amplia direitos, democratiza a promoção, e torna mais forte a diversidade cultural, né? E posiciona a cultura e a criatividade como vetores de transformação social e econômica nos territórios”, afirmou.
A secretária também destacou o papel dos Pontões de Cultura, responsáveis por articular redes de pelo menos cinco pontos, em áreas temáticas diversas como cultura digital, direitos humanos, juventude, povos indígenas, acessibilidade e cultura alimentar. Além disso, ela lembrou da valorização dos mestres e mestras das culturas tradicionais, que em 2025 terão 1.696 bolsas e premiações asseguradas.
Representando o Chile, Jenn Piña, presidenta da Brigada Migrante Feminista, compartilhou a experiência da organização fundada em 2017, composta por mulheres e dissidências sexuais migrantes de países como Venezuela, Argentina e Colômbia. O grupo atua na criação de redes de apoio e cuidado para comunidades migrantes, com foco em mulheres e dissidências sexuais e de gênero, sempre a partir de uma perspectiva decolonial.
Para Jenn, a migração deve ser valorizada como parte fundamental da história dos povos latino-americanos. “A migração é ancestral, faz parte da memória dos nossos povos”, assegurou.
A Brigada tem utilizado a arte como ferramenta de mediação cultural e resistência, com iniciativas como “Cartografías en tránsito” e “Raíces en resistencia”, que unem cartografia têxtil, artes cênicas e expressões visuais para visibilizar as vivências e reivindicações das comunidades migrantes.
Além da arte, o grupo também aposta na criação de espaços de cuidado, especialmente voltados às infâncias, e na valorização da espiritualidade e ancestralidade. Jenn lembrou ainda que a migração desafia a ideia de uma única cultura, ressaltando as raízes indígenas, negras e afrodescendentes da região.
“O racismo, em vez de nos separar, pode ser enfrentado com práticas antirracistas que nos convidam a dialogar entre as diversidades culturais que nos compõem”, completou.
O responsável pela Direção de Artes do Ministério da Cultura do Peru, Eddy Ricardo Ulloa Martinez, apresentou o histórico da política de Pontos de Cultura em seu país, iniciada em 2011 e inspirada no modelo brasileiro. Em 2016, foi promulgada a Lei de Promoção de Pontos de Cultura, resultado da articulação entre governo e sociedade civil.
Segundo Ulloa, a iniciativa busca ampliar o acesso aos direitos culturais, especialmente para populações em situação de vulnerabilidade, como crianças, idosos, migrantes, afrodescendentes e povos originários. “Esta iniciativa nasceu em 2011 com o objetivo de ampliar o exercício dos direitos culturais em nível comunitário, com ênfase especial em populações em situação de vulnerabilidade”, enfatizou.
Atualmente, o Peru conta com 803 organizações reconhecidas como Pontos de Cultura, mais da metade delas fora da capital Lima. Destas, 21% já receberam financiamento por meio de editais, enquanto 60% participaram de processos de capacitação. O impacto é amplo: os Pontos de Cultura já movimentaram mais de 5 milhões de soles, envolveram 10 mil trabalhadores culturais, firmaram mais de 2 mil parcerias e alcançaram quase 400 mil pessoas em todo o país.
O programa se estrutura em quatro mecanismos principais: protagonismo e visibilidade, financiamento por editais, capacitação e intercâmbio, e monitoramento contínuo. Além disso, promoveu encontros nacionais e regionais, regulamentação específica e alternativas de apoio durante a pandemia.
O dirigente ressaltou ainda a importância de avaliar a política após mais de uma década de implementação: “é importante que depois de dez anos possamos avaliar como os mecanismos vêm sendo implementados e como poderão ser melhorados”.
Entre os próximos passos, Eddy destacou a necessidade de ampliar os mecanismos de financiamento, fortalecer a geração de evidências sobre o impacto dos Pontos de Cultura e fomentar pesquisas acadêmicas que embasem o reconhecimento da política como estratégia central para o desenvolvimento comunitário no país.
Márcia Rollemberg detalhou a importância das políticas de cultura viva de base comunitária como eixo estruturante das sociedades latino-americanas. Para ela, os avanços observados nos países do continente reforçam o papel da cultura como promotora de cidadania e identidade.
“A importância desse trabalho está justamente em conectar os fazedores de cultura para além dos governos”, relatou.
A secretária também comentou sobre a necessidade de proteger o patrimônio imaterial e valorizar os saberes tradicionais: “que a gente possa estar fazendo uma proteção com relação a essas pessoas, seus saberes, e contribuindo para garantir a salvaguarda desse patrimônio que nos faz América Latina, que nos traz identidade”, finalizou.
Com um olhar voltado ao futuro, a representante da SCDC incentivou a participação dos países em fóruns internacionais como a Mundiacult e a COP 30, onde espera que novos pactos fortaleçam a cooperação cultural no campo global.
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