Terminou nesta quarta-feira (19), em Brasília (DF), o Encontro do Programa Nacional dos Comitês de Cultura. Promovido pelo Ministério da Cultura (MinC), o evento reuniu mais de mil 5 mil pessoas em quatro dias de programação com a participação de Agentes Territoriais de Cultura de todo o país, gestores públicos, equipes dos Escritórios Estaduais da Pasta e representantes da sociedade civil. A série de atividades contemplou mesas temáticas, oficinas, rodas de conversa, grupos de trabalho e apresentações culturais visando a troca de experiências e o planejamento de novas ações para o fortalecimento das políticas culturais. A cerimônia de encerramento contou com a presença da ministra da Cultura, Margareth Menezes, do secretário-executivo, Márcio Tavares, e da secretária de Articulação Federativa e Comitês de Cultura, Roberta Martins.
“A gente sozinho é unidade, mas junto é uma potência. Porque o Brasil é esse celeiro de pensamento, de expressão, de fazeres. E cada lugar tem um entendimento de cultura. E nós estamos fazendo esse trabalho de nacionalização das oportunidades. E tudo isso só pode ser materializado com essa rede de pessoas que querem bem o país. Ser agente territorial de cultura é trabalhar para materializar as políticas que nós estamos pensando para todo o Brasil”, destacou Margareth Menezes.
O secretário-executivo do Ministério enfatizou a importância do Programa Nacional dos Comitês de Cultura (PNCC) para a formulação das políticas culturais.
“Esse programa se materializa no sonho de fazer da cultura um movimento de base e é resultado de um compromisso comum. A construção das políticas culturais como um eixo central do processo do Brasil. A construção das políticas culturais como um direito de cidadania do povo brasileiro. E os agentes, comitês e escritórios são a mola propulsora que faz essa ideia virar realidade”, ressaltou Márcio Tavares.
Em uma breve avaliação, a secretária de Articulação Federativa e Comitês de Cultura, comentou que a partir das oficinais realizadas serão desenvolvidas formas de explicar melhor as políticas públicas de cultura.
“Mas a nossa tarefa zero agora é aprovar o Plano Nacional de Cultura (PNC). Um plano que vai também ser discutido em cada território. O PNC pode ser traduzido em planos locais. Juntos vamos construir o mais efetivo plano de cultura desse país”, frisou.
Diversidade e acessibilidade
As salas temáticas no último dia de programação do Encontro do Programa Nacional dos Comitês de Cultura debateram diversidade e acessibilidade na cultura. Na conversa sobre Território Corpo, artistas e produtores culturais com deficiência falaram sobre os avanços, mas também sobre os desafios que ainda enfrentam.
Felipe Costa, produtor e rapper é amputado. Ele teve sua trajetória marcada por um acidente de carro aos nove anos de idade, que deixou sequelas físicas e mudou profundamente sua relação com o mundo. Hoje, ele é criador do projeto Eficiência, iniciativa que percorre escolas públicas utilizando o movimento Hip-Hop como ferramenta pedagógica para debater capacitismo, bullying e direitos das pessoas com deficiência.
“A educação revolucionou a minha vida. O Hip-Hop salva, educa e transforma, afirmou.
Fotos Durante o debate, ele contou que, ao retornar à escola após o acidente, enfrentou preconceito e isolamento. “As crianças achavam que eu tinha uma doença por causa da minha deficiência física. Foi o Hip-Hop que me tirou da depressão”, lembrou ao defender a que espaços de arte e de cultura são essenciais pessoas com deficiência. Felipe destacou ainda a importância de políticas públicas voltadas à participação de artistas com deficiência, especialmente por meio de editais e exigências que garantam representatividade nesses processos.
Valle MC, que é cega e se destaca nas batalhas de rima com apenas 14 anos de idade, também participou da roda de conversa. Ela reforçou a importância do acesso à expressão artística como direito fundamental e destacou que a arte é um dos caminhos mais potentes para que pessoas com deficiência afirmem suas narrativas e ocupem espaços historicamente negados.
.
Periferia
A mesa temática Território Periferia reuniu o representante da Universidade Internacional das Periferias (Uniperiferias); Jailson Souza e Silva, o coordenador de Metodologia do Comitê de Cultura no Rio Grande do Sul, André de Jesus, e o diretor do Negruras, de Fortaleza, Rai Santos. O painel teve mediação da ATC de Pernambuco, Beatriz Souza.
“Durante anos discutimos que a favela tem potência, a periferia tem potência. Mas como é que a gente pensa a dimensão dessa potência das favelas e, por extensão, como é que pensamos uma extrema periférica. Como é que a gente pensa a forma de trazer conhecimento, tendo a periferia como referência central e tendo também como eixo”, destacou Jailson.
O representante do Comitê de Cultura no Rio Grande do Sul salientou a importância do Programa Cultura Viva, do MinC, como símbolo de participação social e política que dá espaço à cultura periférica.
“O Programa reconhece o que a periferia tem de bom. O que tem de processo em que o estado não pode investir recursos, o Cultura Viva dá o reconhecimento. O Governo Federal, pela primeira vez, dá reconhecimento para uma comunidade, para um setor, para uma região que não tem centro, instituto ou mercado cultural, não tem valor cultural de mercado”, frisou André.
Para o diretor do Negruras é necessário refletirmos o papel das favelas. “Pensar a periferia enquanto centro começa pela valorização e pela abertura de espaço, para que o Nordeste e o Norte pensem e direcionem também as políticas públicas do país e consigam que a gente avance dentro dessa construção de um Brasil soberano e democrático, onde todas as favelas consigam seguir nessas mesmas condições”, analisou Rai.
Cidadania
A Sala Azul encerrou a programação da tarde do último dia do Encontro do Programa Nacional dos Comitês de Cultura com um dos debates mais densos e emocionantes da tarde do último dia do Encontro do Programa Nacional dos Comitês de Cultura, reunindo diferentes perspectivas sobre diversidade, cidadania e o papel da cultura na garantia de direitos.
Com mediação de Kessidy dos Santos (ATC/ MT), a mesa Território Diversidade contou com a presença de Symmy Larrat, Secretária Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania; Helcio Beuclair, do Coletivo Arouchianos (SP); e Brenn Souza, do Grupo Tetetas e integrante do Comitê de Cultura do Acre.
Em sua fala, Symmy Larrat destacou a potência da arte como ferramenta política e pedagógica na luta contra a discriminação e no fortalecimento da participação social. “A arte tem o poder de fazer toda a comunidade falar sobre temas que antes ficavam restritos a nós. Não se trata de falar sem nós — mas de garantir que não sejamos os únicos a carregar esses debates”, afirmou.
Ela também reforçou a importância de ocupar institucionalmente os espaços de decisão. “A gente faz política hackeando estruturas por dentro, abrindo brechas para que nossas pautas se tornem mecanismos permanentes, não apenas exceções”.
O debate avançou com a contribuição de Helcio Beuclair, que comentou o papel das paradas LGBTQIA+ como espaços de articulação e continuidade, alertando que “não pode ser só um dia de festa — são 364 outros dias que também precisam de trabalho, cuidado e atuação social”.
Já Brenn Souza ressaltou a importância de que políticas afirmativas alcancem quem está fora dos grandes centros: “A política só chega na ponta quando o território participa da construção e define suas prioridades”, destacou.
Na rodada de perguntas, o público trouxe questões sobre combate à violência, formação cidadã e articulação entre estados e municípios. As falas evidenciaram que a defesa da diversidade é também defesa da democracia e a política cultural ocupa papel central nesse processo. Com visões complementares, a mesa concluiu reafirmando que a construção de uma sociedade mais justa passa pela valorização das múltiplas identidades presentes nos territórios e que fortalecer essa agenda é um princípio que atravessa todo o PNCC.
Oficinas
A Oficina de Escrita de Projetos Culturais e Portfólio Artístico-Cultural, conduzida por Stéfany Duarte, a B-Girl Fanny, convidada pelo Comitê de Cultura de Goiás, apresentou orientações para a estruturação de portfólios culturais e abordou elementos essenciais para a elaboração de projetos, com participação ativa do público, que trouxe dúvidas e experiências para enriquecer a discussão. A atividade destacou a importância de ferramentas claras para apresentação artística e para o acesso a políticas culturais.
Stéfany ressaltou que o portfólio é “fundamental para a apresentação do artista e aprovação em projetos culturais”, e destacou a troca de saberes com agentes de diferentes territórios. Ela também enfatizou a relevância da acessibilidade como elemento central na construção de projetos, destacando que pensar propostas inclusivas contribui para fortalecer a diversidade cultural em todo o país.
Já a oficina Política de Economia dos Museus e Pontos de Memória, conduzida por Joel Santana da Gama, diretor de Difusão, Fomento e Economia dos Museus do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram/MinC), apresentou ao público a nova Política de Economia dos Museus, lançada recentemente pelo Instituto. A atividade detalhou os cinco eixos que estruturam a política, entre eles os programas voltados à difusão, financiamento, sustentabilidade e diversificação de receitas no campo museal, além da criação do Comitê Consultivo de Desenvolvimento Econômico-Museal como instância de participação social.
O encontro também destacou iniciativas como o Boletim Econômico de Museus e as Trilhas Econômicas Museais, que terão a primeira edição no Mercado das Indústrias Criativas do Brasil (MICBR), evento promovido pelo Ministério da Cultura. Para o diretor, a proposta busca fortalecer a gestão e a sustentabilidade de museus e pontos de memória em todo o país. “É uma política que organiza o setor e amplia a capacidade de desenvolvimento dos museus”, afirmou. Outra participação reforçou a importância do tema ao destacar que “a economia dos museus precisa chegar na ponta, onde o trabalho cotidiano acontece”. A oficina registrou ampla participação dos agentes territoriais, que trouxeram dúvidas e experiências sobre os desafios e potencialidades do setor.
A oficina Padrão de Dados Culturais – conhecer o território para fortalecer as políticas culturais foi conduzida por Sofia Mettenheim, coordenadora-geral de Informações e Indicadores Culturais, e por Giuliana Kauark, da subsecretaria de Gestão Estratégica do Ministério da Cultura. Em formato de roda de conversa, o público participou ativamente com perguntas e contribuições. A atividade apresentou o processo de retomada do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC), explicando sua função na governança das políticas culturais e a relação de estados e municípios com o levantamento e a sistematização de dados.
Sofia destacou que o envolvimento de agentes territoriais e comitês é essencial para a construção de mapeamentos consistentes, afirmando que a missão do sistema é “fazer as políticas culturais chegarem aonde elas nunca chegaram”, colocando dados e informações a serviço do fortalecimento dos territórios.
FONTE




