A decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de recorrer nesta terça-feira (1º) ao STF (Supremo Tribunal Federal) contra a derrubada pelo Congresso do decreto que aumentou o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) acirrou o clima de tensão do governo com a cúpula da Câmara dos Deputados e do Senado, que viu na ação um gesto de confronto.

O governo está cada vez mais atolando o pé. Tem que sentar para conversar e pacificar
O protocolo da ação no STF foi precedido de conversas com os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), mas a repactuação ainda é incerta, segundo interlocutores dos dois grupos. No Congresso, embora o discurso seja de insatisfação, ainda não há uma retaliação à vista.
O novo capítulo da crise do IOF acentuou o conflito, que no fim de semana já tinha escalado com a estratégia do governo e do PT de culpar o Congresso pelo corte de programas sociais. O discurso, de que o Legislativo estaria ao lado dos ricos, enquanto Lula defenderia os brasileiros mais pobres, foi planejado para preparar o terreno para a eleição de 2026.
Os parlamentares de centro e de direita começaram a ensaiar um discurso para rebater as acusações de que o Congresso está em defesa dos mais ricos. Frentes parlamentares ligadas a empresários também divulgaram manifesto com críticas à iniciativa do governo de recorrer ao STF e à “narrativa segregacionista do nós contra eles que divide a sociedade”.
“O aumento deste imposto encarece o crédito, pressiona a inflação e reduz o consumo, sobretudo entre os mais vulneráveis, afetando a mobilidade social. A mudança também afetaria famílias de baixa renda, já que incluiria a elevação da alíquota para empréstimos de curto prazo para 3,5%, até então isentos”, dizem as frentes no documento.
Além disso, as confederações nacionais da Indústria (CNI), do Comércio (CNC) e dos Transportes (CNT) pediram ao STF para entrar como parte no processo, contra a demanda do governo, e defenderam que o aumento impactará mais severamente as menores empresas. “Micro e pequenos empresários terão mais dificuldade para captar crédito no mercado, que se tornará mais caro a partir do aumento do IOF”, afirmam.
Líder do PDT na Câmara, o deputado Mário Heringer (MG) disse que a ação no Supremo foi um erro. “O governo está cada vez mais atolando o pé. Tem que sentar para conversar e pacificar, não continuar esticando a corda. Isso vai ser ruim para os dois lados”, opinou.
O alerta contra a judicialização do decreto do IOF já tinha sido dado pelo presidente do partido de Motta, Marcos Pereira (Republicanos). Logo após a derrubada do decreto, ele afirmou nas redes sociais que o governo não aceitar a derrota e recorrer ao Supremo era um “movimento perigoso que desrespeita a democracia e esvazia o papel do Legislativo”.
Os governistas, por sua vez, rebatem que, assim como o Legislativo entendeu que deveria derrubar um decreto do presidente da República, o Executivo saiu em defesa da sua prerrogativa de decidir qual a alíquota do IOF que incide sobre as operações. Caberá, na visão desses parlamentares, ao STF arbitrar quem está correto neste embate.
Para evitar atritos maiores, representantes do governo procuraram Motta e Alcolumbre para avisar previamente que Lula tinha decidido entrar com a ação no Supremo. Parlamentares aliados ao governo e a Motta também tentam acabar com o conflito, com o argumento de que agravar os ataques prejudicará a ambos e ao país.
O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), disse nesta terça-feira (1) que quer conversar com Motta para “baixar a temperatura” e retomar o diálogo assim que o presidente da Câmara voltar de viagem a Lisboa. “Mesmo quando a gente briga, temos que ser transparentes e ter lealdade”, afirmou, ao ressaltar que avisou sobre a ação no STF.
Guimarães disse também que a decisão tomada por Motta, de colocar em pauta o projeto para sustar os decretos do governo, ficou no passado e é “questão superada”.
Segundo ele, o governo trabalhará agora no que chamou de “concertação” para viabilizar a votação de outros projetos de interesse, como a isenção do Imposto de Renda para quem renda de até R$ 5.000 e a medida provisória que cria tributação para papéis de renda fixa hoje isentos. “Vida que segue. Agora vamos tratar da pauta prioritária do país.”
O risco de rejeição a projetos importantes para o governo entrou no radar após a cúpula da Câmara demonstrar irritação com o discurso de “ricos contra pobres”. Aliados de Motta passaram a citar que o “pacote eleitoral do Lula” depende do apoio do Legislativo, como a isenção do Imposto de Renda, o fortalecimento do Susp (Sistema Único de Segurança Pública) e ampliação do auxílio-gás e da gratuidade da conta de luz para mais famílias.
Além disso, outro ponto de atenção para o governo é a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) que investiga irregularidades em descontos associativos pelo INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). Lula dependerá do apoio dos partidos da base aliada para direcionar as investigações contra o governo Bolsonaro. A oposição tenta usar a crise do IOF para convencer Motta a nomear um relator que seja próximo do grupo.