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Crédito, Getty Images
- Author, Julia Braun
- Role, Enviada especial da BBC News Brasil a Paris (França)
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Em declaração à imprensa no Palácio do Eliseu, sede do governo da França, Macron colocou entraves à aprovação do pacto, apesar das manifestações entusiasmadas de Lula e os pedidos do líder brasileiro para que o colega “abrisse o coração”.
O tema é o grande calcanhar de Aquiles da relação entre os dois presidentes, que se reúnem em Paris para a primeira visita de Estado do líder brasileiro ao território francês em seu terceiro mandato.
“Este acordo, nesse momento estratégico, é bom para muitos setores grandes, mas comporta um risco para os agricultores europeus”, disse Macron, em resposta aos questionamentos da imprensa sobre a possibilidade de aprovação do texto.
A objeção de produtores agrícolas ao pacto é um dos principais obstáculos no momento. O setor alega que a entrada em vigor do tratado colocaria em risco milhares de empregos ao abrir as portas do mercado francês a produtos agrícolas produzidos sem os mesmos padrões de qualidade ambiental e sanitários exigidos dos fazendeiros franceses.
Esse foi exatamente o argumento de Macron. O presidente francês apontou que, enquanto a Europa proíbe o uso de certos agrotóxicos e exige práticas mais sustentáveis de seus agricultores, os países do Mercosul não estão sujeitos às mesmas restrições.
“Eu não saberia explicar aos agricultores como, no momento em que eu lhes peço que respeitem mais normas, eu abro maciçamente o meu mercado a quem não respeita nada. Então é por isso que, como disse antes, nós devemos melhorar este acordo”, afirmou o chefe de Estado francês.
Lula, por sua vez, insistiu nas vantagens do pacto e afirmou que está disposto a dialogar com os agricultores franceses para destravar as negociações.
“É importante que os agricultores franceses saibam que nossa agricultura seria complementar”, disse, de frente para o líder francês. “O que não pode é um bloqueio.”
“Se você quiser, leva um grupo de agricultores para o Brasil ou eu trago um grupo aqui, vamos sentar numa mesa qualquer aí e conversar, eu tenho certeza que a gente faz o acordo.”
O presidente brasileiro afirmou ainda estar seguro de que as trativas se desenvolverão até o final da presidência brasileira do Mercosul, que se inicia em julho e tem duração de seis meses.
“Quero lhe comunicar que não deixarei a presidência do Mercosul sem concluir o acordo com a União Europeia. Portanto, meu caro, abra o seu coração para a possibilidade de fazer esse acordo com o nosso querido Mercosul”, disse Lula ao colega francês.
Crédito, Ricardo Stuckert / PR
Lula também defendeu com convicção das políticas de proteção ao meio ambiente de seu governo.
“Pode ter no mundo alguém preocupado com o meio ambiente igual meu governo, mas não tem melhor”, afirmou.
“Queria pedir ao Macron uma coisa muito séria. Não permita que nenhum país europeu coloque dúvida sobre a defesa que o Brasil faz para diminuir o desmatamento no Brasil.”
Também citou produtos importados da França pelo Brasil que também são produzidos em solo brasileiro – e nem por isso inviabilizam o acordo com a União Europeia.
“Embora o Brasil esteja se transformando em um país produtor de vinho, estamos facilitando a exportação de vinhos franceses. Embora o Brasil seja produtor de queijos, não queremos competir com os franceses. Enquanto estejamos produzindo boas champanhes, a gente não quer proibir a champanhe francesa”, declarou.
O calcanhar de Aquiles da relação
A relação entre Lula e Macron tem sido marcada por demonstrações de amizade em frente às câmeras, trocas de elogios e alinhamentos em temas como meio ambiente e governança internacional. No entanto, o acordo União Europeia-Mercosul tem sido um ponto de tensão e discordância.
O pacto foi assinado no final do ano passado, mas ainda precisa ser ratificado pelo Parlamento Europeu e os Legislativos de cada país de ambos os blocos.
Quando a finalização das negociações foi anunciada durante encontro do Mercosul em Montevidéu em dezembro de 2024, o governo da França já havia se manifestado de forma contrária e classificado a versão aprovada do acordo como “inaceitável”.
E a objeção francesa é considerada o grande entrava para que as trativas avancem, segundo especialistas.
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Na véspera da visita de Estado do presidente brasileiro à França, parlamentares franceses reuniram diversos setores agrícolas na Assembleia Nacional para reafirmar sua oposição ao acordo.
Jean-François Guihard, presidente da Associação Interprofissional da Pecuária e da Carne (Interbev), pediu que Macron fosse “extremamente firme” com Lula “para dizer que esse acordo não é possível “.
Em suas declarações na manhã desta quinta, o presidente francês defendeu a inclusão de “cláusulas de salvaguarda e cláusulas-espelho” para garantir que os produtos importados atendam aos mesmos padrões ambientais e sanitários exigidos na UE.
Lula e Macron se reuniram no Palácio do Eliseu para uma reunião ampliada, com a participação de ministros e outros membros dos dois governos. Foram assinados diversos acordos de temas variados, como segurança pública, educação, ciência e tecnologia.
Após a coletiva de imprensa, o grupo participou de um almoço, depois do qual o presidente brasileiro seguiu para uma homenagem na Academia Francesa, equivalente à Academia Brasileira de Letras.
A agenda de Lula em Paris também inclui uma reunião com a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, e um encontro com a comunidade brasileira.
O presidente ainda participará da Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, em Nice, e visitará a Interpol em Lyon. A Interpol é atualmente comandada pelo brasileiro Valdecy Urquiza, delegado da Polícia Federal.
‘Genocídio premeditado’
Além da discussão sobre o acordo entre UE e Mercosul, Lula também tratou de outras temas da relação entre Brasil e França em sua declaração no Palácio do Eliseu.
“É importante, presidente Macron, que o povo francês saiba que a maior fronteira da França com qualquer outro país não se dá na Europa, se dá com a América do Sul e com o Brasil. A França deveria ter orgulho de dizer que a maior fronteira dela é no território amazônico”, disse Lula, em referência à divisa entre o Brasil e a Guiana Francesa.
Questionado sobre a atual situação do conflito em Gaza, o presidente brasileiro fez declarações enfáticas e criticou as ações do governo de Israel, ainda que sem citar nominalmente o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.
“Não é possível a gente aceitar uma guerra que não existe. É um genocídio premeditado de um governante de extrema direita que está fazendo uma guerra, inclusive, contra os interesses do seu próprio povo. Porque a Israel, ao povo judeu, também não interessa essa guerra”, disse Lula.
“É triste saber que o mundo se cala diante de um genocídio em que a grande vítima não é soldado que está em guerra, mas mulheres e crianças. Sinceramente, o dia em que eu perder a capacidade de me indignar, eu não mereço ser dirigente do meu país.”