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Brasil critica na OMC uso de tarifas para interferência em assuntos internos e recebe apoio de 40 países | Assis Moreira


Sem citar os EUA ou Donald Trump, o Brasil alvejou hoje na Organização Mundial do Comércio (OMC) a ameaça do presidente americano de impor tarifa de 50% na entrada de produtos brasileiros a partir de 1º de agosto, e conclamou os outros países a acelerarem uma reforma para salvar o sistema comercial baseado em regras comuns.

Após o pronunciamento brasileiro, 40 países (a União Europeia representando 27) manifestaram apoio ao sistema multilateral de comércio com regras comuns e importância de reforma da OMC. Incluindo a UE, China, Índia, Colômbia, Peru, Malásia, Canadá, Camarões, entre outros. A Argentina, particularmente engajada em colar em Donald Trump, ficou calada e não apoiou o Brasil. Isso não foi nenhuma surpresa, mas causou comentários irônicos nos corredores.

Diante dos outros 165 membros, no Conselho Geral, o órgão máximo da entidade global, o Brasil reclamou que, bem além ‘das violações generalizadas das regras do comércio internacional, estamos testemunhando agora uma mudança extremamente perigosa em direção ao uso de tarifas como uma ferramenta em tentativas de interferir nos assuntos internos de terceiros países’’.

A sanção anunciada por Trump contra o Brasil é sem precedentes, usando motivos que vão da “forma como o Brasil tratou o ex-presidente Bolsonaro…”; e “os ataques insidiosos do Brasil às eleições livres e os direitos fundamentais de liberdade de expressão dos americanos…”; passando pela “relação comercial de longa data muito injusta”.

Em sessão do Conselho Geral, o enviado do governo brasileiro, o secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, embaixador Philip Gough, depois de lembrar que o Brasil sempre foi um defensor engajado do multilateralismo, observou que ‘’infelizmente, neste exato momento, estamos testemunhando um ataque sem precedentes ao Sistema Multilateral de Comércio e à credibilidade da OMC’’.

Acrescentou Gough: ‘’Tarifas arbitrárias, caoticamente anunciadas e implementadas, estão perturbando as cadeias de valor globais e correm o risco de lançar a economia mundial em uma espiral de preços altos e estagnação’’.

Para o Brasil essas ‘‘medidas unilaterais constituem uma violação flagrante dos princípios fundamentais que sustentam a OMC e que são essenciais para o funcionamento do comércio internacional’’. E levantam questões fundamentais ‘’sobre a não discriminação e o tratamento da nação mais favorecida e correm o risco de minar a coerência jurídica e a previsibilidade do sistema multilateral de comércio’’.

Além disso, essas medidas unilaterais afetam o equilíbrio das condições de acesso ao mercado negociadas no âmbito do GATT e da OMC ao longo de várias décadas, observou o representante brasileiro.

‘’Juntamente com as ações deliberadas que resultaram na paralisação do sistema de resolução de disputas da OMC, elas correm o risco de permitir que o comércio global seja mais uma vez governado por relações de poder, criando desequilíbrios que prejudicam particularmente os países em desenvolvimento’’, acrescentou.

Sobre relação de força, basta ver que esta semana os EUA anunciaram um acordo bilateral com a Indonésia, país membro do Brics, pela qual vai impor tarifa de 19% sobre produtos indonésios, enquanto os produtos americanos entrarão livres de alíquotas na Indonésia, na chamada busca de ‘reciprocidade’ pelo governo Trump.

O representante brasileiro observou que bem além das violações generalizadas das regras do comércio internacional, ”ainda mais preocupante” é a tentativa de usar as tarifas para para tentar interferir nos assuntos internos de países terceiros – sempre sem mencionar explicitamente os EUA, mas todo mundo na plenária entendeu a mensagem.

Disse que o Brasil, como uma democracia estável, ‘tem princípios firmemente enraizados em nossa sociedade, como o Estado de Direito, a separação de poderes, o respeito às normas internacionais e a crença na resolução pacífica de disputas’’.

A mensagem brasileira diante da comunidade internacional foi de que o país continuará a ‘‘priorizar soluções negociadas e a confiar em boas relações diplomáticas e comerciais’’ – ou seja, buscará compromissos com o governo Trump.

Mas observou que, caso as negociações fracassem, ‘’vamos recorrer a todos os meios legais disponíveis para defender nossa economia e nosso povo – e isso inclui o sistema de solução de controvérsias da OMC’’ – um mecanismo que está paralisado justamente por causa dos EUA.

Delegação brasileira no Conselho Geral da OMC, chefiada por Philip Gough, aplaude ratificação da Argentina a acordo sobre subsídios à pesca  — Foto: OMC
Delegação brasileira no Conselho Geral da OMC, chefiada por Philip Gough, aplaude ratificação da Argentina a acordo sobre subsídios à pesca — Foto: OMC

Em Genebra, o embaixador Philip Gough discutiu a urgência da reforma da OMC com a diretora-geral Ngozi Okonjo-Iweala e com delegações chaves na organização. Mas a evidência é de persistência de fortes divergências entre os países, com cada um com sua própria ideia do que reformar.

No discurso no Conselho Geral, o representante brasileiro reiterou que ‘neste momento de grave instabilidade, é imperativo que todos trabalhemos juntos em apoio a um sistema multilateral de comércio baseado em regras’.

Enquanto dezenas de países estão sob pressão dos EUA para fazerem concessões ou sofrerem altas punitivas de tarifas, o Brasil insistiu como é essencial que a OMC recupere seu papel como um local ”onde todos os países possam resolver disputas e afirmar interesses legítimos por meio do diálogo e da negociação”.

Gough mencionou declaração do presidente Lula, sobre o uso da diplomacia para reconstrução dos ‘alicerces do verdadeiro multilateralismo’, e ‘só assim poderemos deixar de assistir passivamente ao aumento da desigualdade, à insensatez da guerra e à destruição do nosso próprio planeta.”

O representante brasileiro destacou que um fiasco em encontrar um caminho ‘que nos leve adiante só promoverá uma espiral negativa de medidas e contramedidas que nos tornarão mais pobres e mais distantes da prosperidade e das metas de desenvolvimento sustentável’.

Disse que o Brasil está pronto para começar a trabalhar por uma reforma estrutural e abrangente da OMC, indo bem além de atualizações incrementais, a fim de permitir que a organização enfrente os desafios atuais.

Conclamou todos a se engajarem nessa tarefa. Para o Brasil, as maiores economias, que mais se beneficiaram do sistema comercial, devem dar o exemplo e tomar medidas firmes contra a proliferação de medidas comerciais unilaterais. E as economias em desenvolvimento, as mais vulneráveis a atos de coerção comercial, devem se unir em defesa do sistema comercial multilateral baseado em regras.

‘‘As negociações baseadas em jogos de poder são um atalho perigoso para a instabilidade e a guerra’’, alertou Gough. ‘’Diante da ameaça da fragmentação, a defesa consistente do multilateralismo é o caminho a seguir’.

Para o Brasil, ‘ainda temos tempo para salvar o Sistema Multilateral de Comércio’.

A posição brasileira foi apresentada depois de discurso da China, que colocou seu peso também pela reforma, em meio a crescentes incertezas e pressões sobre o comércio mundial.

Pequim mencionou cifras mais recentes da OMC, mostrando que 19,4% das importações mundiais de mercadorias agora são submetidas a uma forte alta de tarifas, contra 12,5% há apenas seis meses. O valor do comércio submetido a restrições atinge agora US$ 2,7 trilhões, o nível mais elevado desde a criação do monitoramento da OMC em 2009.

A China observou que novas medidas tarifárias unilaterais continuam a ser introduzidas. E que certos aspectos de acordos bilaterais concluídos entre alguns países para atenuar as tensões comerciais são claramente incompativeis com as regras da OMC, ameaçam prejudicar interesses de terceiras partes e provocar mais tensões.



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