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Crédito, Reuters
- Author, Daniel Pardo
- Role, Correspondente da BBC News Mundo no México
Houve momentos, não faz muito tempo, em que o chão do abrigo Embajadores de Dios na cidade mexicana de Tijuana, na fronteira com os Estados Unidos, era quase invisível: colchões, barracas e camas para migrantes cobriam o espaço.
Hoje, no entanto, o local parece imenso: metade das camas disponíveis não estão feitas e, em um canto, um punhado de colchões azuis estão empilhados para caso de emergência.
Parece que estes não são tempos de emergência em uma cidade que não conhece a calma quando se trata de migração.
Tudo indica que a retórica do presidente americano, Donald Trump — ameaçando deportações em massa e o encerramento de mecanismos legais de imigração para conter o que ele considera uma “invasão” — teve um efeito: as pessoas estão fazendo menos a travessia.
“Neste momento, não há chegadas significativas ao México“, diz Silvia Garduño, porta-voz da ACNUR, a agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para refugiados, no México. “Mas sabemos que as causas das saídas permanecem.”
Tijuana, que compartilha uma área metropolitana com San Diego, é a maior cidade da região. Ela surgiu como resultado da demarcação de fronteiras, e tem sido, há um século e meio, o ponto nevrálgico do fluxo migratório em direção à maior potência do mundo.
Há 44 espaços aqui dedicados ao acolhimento e atendimento de migrantes, e nenhum deles, segundo ativistas que os visitam diariamente, está atualmente com mais da metade da capacidade ocupada.
A BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, visitou cinco deles, e em todos — em vez da habitual fila para usar o banheiro, das tomadas elétricas abarrotadas de celulares e do som de crianças brincando e correndo —, o que encontramos foi silêncio, barracas vazias e refeitórios às moscas.
De acordo com os dados da ACNUR, 90% da população migrante da cidade está hoje fora dos abrigos.
A situação se repete em outras cidades de fronteira como Tijuana.
Em abril, 8 mil pessoas foram detidas por entrar ilegalmente no país em toda a área de fronteira. Há um ano, foram 128 mil, de acordo com estatísticas do governo, uma redução drástica que Trump celebra como um sucesso da sua política linha dura.
De acordo com uma pesquisa da rede CBS realizada antes dos atuais protestos em Los Angeles, 50% dos americanos aprovam a forma como o presidente está lidando com a questão da imigração.
“Nunca vimos isso antes, apenas durante a pandemia”, diz Octavio, um vendedor de tacos na guarita de Chaparra, em Tijuana, uma passagem na fronteira onde essa sensação de calmaria e silêncio também prevalece.
Crédito, Archivo Embajadores de Dios
‘Prato cheio’ para criminosos
Um silêncio que não significa que a migração tenha sido contida, advertem os ativistas: significa que, em vez disso, os migrantes estão ficando no caminho ou tentando atravessar a fronteira ilegalmente.
As causas da migração — violência, pobreza e perseguição em países como Haiti, Venezuela e Nicarágua — continuam ou até pioraram com o encerramento da cooperação internacional dos EUA pelo governo Trump.
O desejo e, para as pessoas perseguidas, a necessidade de migrar para os EUA é impossível de ser contida, dizem especialistas.
“A esperança de migrar pode superar qualquer coisa”, diz Judith Cabrera, diretora do Border Line Crisis Center, um abrigo em Tijuana
Cabrera se encontrou com a reportagem da BBC News Mundo em uma manhã fria e nublada, após se reunir horas antes com um grupo de migrantes colombianas que haviam sido enganadas duas vezes por causa de sua obsessão em cruzar a fronteira.
Os supostos coiotes, relata a ativista, primeiro disseram a elas que fariam a travessia por um túnel por US$ 800, ou seja, por um décimo do que costuma custar, e por um túnel que não existe há quatro décadas.
“Eles as colocaram em um carro, dirigiram por toda a cidade e, por fim, as deixaram no local onde haviam sido apanhadas”, diz Cabrera.
Depois, aconteceu a mesma coisa: alguns traficantes prometeram a travessia por US$ 2,3 mil. “E claro que, por custar mais caro, elas acharam que era mais certo, mas que nada, foram enganadas novamente.”
Cabrera lamenta: “Não há nada que eu possa dizer a elas que possa evitar isso, e isso mostra que o sonho americano não acabou (…) As pessoas querem continuar insistindo na travessia, e não percebem os perigos envolvidos porque preferem manter o sonho vivo”.
“Trump está desencorajando a migração, e isso é um prato cheio para os traficantes”, ela conclui.
Assentamento transitório
Os migrantes que não estão tentando atravessar ilegalmente podem estar esperando onde estão para ver quando surge uma nova oportunidade.
Trump fechou os sistemas de assistência migratória, como o CBP One, que permitia marcar uma consulta para pedir asilo antes de entrar nos EUA. A aposta de muitos — 270 mil foram afetados pelos cancelamentos — é que ele vai reabrir o sistema ou criar algum mecanismo semelhante, o que parece improvável.
“A decisão de permanecer onde estão nunca é definitiva”, diz María de Lourdes Madrano, diretora do Centro 32, uma organização que apoia migrantes em abrigos.
“Eles sempre acreditam que no dia seguinte podem abrir e resolver a situação, e acreditam que se afastar da fronteira reduz a possibilidade… porque, depois de tudo que custou para chegar até aqui, eles acham que sair é como desistir do sonho”.
“Os abrigos estão vazios, mas as escolas estão cheias de estrangeiros”, diz ela, referindo-se às crianças cujos pais migrantes decidiram se estabelecer em Tijuana, mesmo que temporariamente.
‘Tirando os latinos’
Wilker Hernández tem 23 anos; ele é do Estado de Mérida, na Venezuela, e há um ano tenta atravessar para os EUA, onde parte de sua família está, enquanto a outra permanece em seu país. Ele tinha um horário marcado para apresentar seus documentos no dia 21 de janeiro, um dia após a posse de Trump. O agendamento foi cancelado.
Desde então, ele vem se acostumando à ideia de que seu destino pode muito bem ser este aqui: Tijuana, uma cidade que tem a migração em seu DNA, da qual se diz que “há oportunidades para todos”, e registra a menor taxa de desemprego do México.
“Estamos em uma espécie de limbo em que não sabemos o que vai acontecer”, diz Hernández, que conseguiu trabalho como pedreiro no abrigo Embajadores de Dios, onde estão construindo moradias funcionais fora da área de acampamento.
O bairro vizinho, conhecido como Cañón del Alacrán, vivenciou um boom nos últimos dois anos com a construção de assentamentos relativamente formais por grupos de migrantes que decidiram prolongar sua estadia em Tijuana.
“Ainda estou indeciso, se vou tentar atravessar ou voltar”, acrescenta. “Por enquanto, estou trabalhando porque (…) Trump fechou a fronteira, está tirando todos os latinos, é um pouco complicado, estamos aqui e não sabemos o que fazer.”
O discurso de Trump permeou entre os migrantes. Isso pode colocá-los em maior risco diante de máfias e coiotes, mas, de qualquer forma, reduz a esperança de uma vida melhor, uma vida possível, nos EUA.
O presidente americano prometeu uma “deportação em massa” de pessoas indocumentadas que, embora longe de ser em massa, tem um efeito dissuasor.
Cabrera, a ativista de Tijuana, coloca a questão da seguinte forma: “Mais do que uma deportação em massa, o que estamos vendo é uma deportação midiática, e isso, é claro, tem seus efeitos na trajetória e na saúde mental do migrante”.
Quase não há migrantes nos abrigos, mas a situação dos migrantes se tornou mais difícil agora.