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Crédito, André Borges/EPA
Jair Bolsonaro ficou pela primeira vez frente a frente com o ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (10/6). Réu, o ex-presidente foi interrogado por Moraes e negou ter planejado um suposto golpe para impedir a posse de Luiz Inácio da Silva após as eleições de 2022.
Além de Bolsonaro, outros 7 aliados do ex-presidente também prestaram depoimentos num processo considerado histórico, já que é a primeira vez que um ex-mandatário e militares de alta patente, como generais e um almirante da reserva, respondem criminalmente por tentativa de ruptura democrática no Brasil.
Diante das câmeras da TV Justiça, com reprodução da BBC News Brasil e boa parte da imprensa, Bolsonaro adotou um tom mais ameno com a Corte e com Moraes do que em seus comícios públicos – chegou a pedir desculpas ao ministro do STF, com quem antagonizou nos últimos anos.
O ex-presidennte voltou a negar qualquer intenção de ruptura democrática em seu governo, mas admitiu que chegou a discutir “possibilidades” de reverter o resultado eleitoral. Segundo ele, no entanto, as alternativas teriam sido descartadas por não atenderem a Constituição.
No começo do interrogatório, Bolsonaro pediu desculpas ao ministro do STF por ter insinuado que ele e outros ministros da Corte teriam recebido milhões de dólares de forma ilegal durante o processo eleitoral de 2022. E chamou a fala de “desabafo”.
O pedido de desculpas aconteceu após Moraes questioná-lo sobre o tema.
“Quais eram os indícios que o senhor tinha de que nós estaríamos levando US$ 50 milhões, US$ 30 milhões?”, questionou o magistrado.
“Não tenho indício nenhum, senhor ministro. Tanto é que era uma reunião para não ser gravada. Era um desabafo, uma retórica que usei”, respondeu.
“Se fossem outros três ocupando, eu teria falado a mesma coisa. Então, me desculpe. Não tinha essa intenção de acusar de qualquer desvio de conduta dos senhores três”, respondeu Bolsonaro.
As insinuações de Bolsonaro sobre o suposto recebimento ilegal de dólares pelos ministros aconteceu durante uma reunião ministerial em 5 de julho de 2022, quando Bolsonaro e outros ministros discutiram o cenário eleitoral daquele ano.
“Os caras não têm limite. Eu não vou falar que o [Edson] Fachin tá levando US$ 30 milhões. Não vou falar isso aí. Que o [Luis Roberto] Barroso tá levando US$ 30 milhões. Não vou falar isso aí. Que o Alexandre de Moraes tá levando US$ 50 milhões. Não vou falar isso aí. Não vou levar para esse lado. Não tenho prova, pô! Mas algo esquisito está acontecendo”, disse Bolsonaro na ocasião.
A troca aconteceu quando Moraes o questionava, entre outros pontos, sobre o discurso de Bolsonaro contra o sistema de urnas eletrônicas, que ele criticava, sem provas, dizendo que era vulnerável a fraudes.
‘Golpe é uma coisa abominável’, diz Bolsonaro
Ao longo do depoimento, Bolsonaro voltou a defender que os atos golpistas de 8 de janeiro não teriam sido uma tentativa de golpe de Estado e negou ter planejado ou colaborado com uma trama golpista, como consta na denúncia da PGR.
“Eu fico até arrepiado quando se fala que o 8 de janeiro foi um golpe. Eram 1,5 mil pessoas, pobres coitados […] cem ônibus, chegaram na região do setor militar urbano na madrugada de domingo e esse pessoal foi embora logo depois da baderna e sobrou para quem estava acampado aqui. Quem realmente fez foi embora. Agora, aquilo não é golpe”, disse.
“No meu governo, nenhum ato atentatório à democracia se fez presente”.
Em outro trecho do seu depoimento, Bolsonaro afirmou que, durante seu governo, ele não teria cogitado um golpe de Estado após a derrota nas eleições de 2022.
“Só tenho uma coisa a afirmar a vossa excelência: de minha parte, por parte de comandantes militares, nunca se falou em golpe. Golpe é uma coisa abominável. O golpe até seria fácil começar, o after day é que é simplesmente imprevisível e danoso para todo mundo. O Brasil não poderia passar essa experiência dessas e não foi sequer cogitado essa hipótese de golpe no meu governo”, disse.
Questionado sobre minuta golpista, Bolsonaro reconheceu reunião para discutir ‘alternativas na Constituição’, mas negou ter ‘enxugado’ documento.
Segundo ele, a busca de “alternativas” ocorreu após o TSE estabelecer uma multa de R$ 22 milhões ao seu partido, o PL, quando a legenda apresentou uma petição apontando uma suposta fraude na eleição presidencial de 2022, sem apontar provas disso.
Ainda respondendo à primeira pergunta do Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, Bolsonaro disse que nunca fez “ataques” ao sistema eleitoral, mas sim “críticas”. “A desconfiança [em relação às urnas] não começou comigo, começou com Brizola lá nos anos 90, depois passou pro Flávio Dino”, afirmou.
Em seguida, Bolsonaro classificou a si mesmo como “carta fora do baralho” ao cobrar providências em relação ao sistema.
“Acredito que nós… os senhores, né, no caso? Eu sou carta fora do baralho… tem que tomar uma providência pra restabelecer a confiança da população no sistema eleitoral nosso”
O ex-presidente disse que não é o único que desconfia das urnas eletrônicas. E afirmou que o agora ministro do STF, Flavio Dino, um aliado de Lula, questionou a credibilidade do sistema de votação em 2010, quando perdeu a eleição para o governo do Maranhão.
Bolsonaro quis mostrar um vídeo com essa declaração de Dino, mas Moraes proibiu a exibição de conteúdos que já não estejam nos autos do processo.
“Eu joguei dentro das quatro linhas [da Constituição] o tempo todo. Muitas vezes eu me revoltava, falava palavrão. Mas, no meu entender, fiz o que devia ser feito”, respondeu.
“A intenção minha não é desacreditar [a urna eletrônica], sempre foi alertar para aprimorar”, disse o ex-presidente, exaltando o sistema de votação eletrônico com voto impresso usado em países como Paraguai e Venezuela.
“Se tivesse um voto semelhante ao do Paraguai ou das urnas agora da Venezuela, nenhum de nós estaríamos nesse momento, para mim bastante desagradável, de estar perante a vossa excelência nessa circunstância.”
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Bolsonaro e os demais réus estão sendo ouvidos em depoimento como réus no processo que os avusa de integrar o “núcleo crucial” que teria liderado uma suposta tentativa de golpe de Estado para manter Bolsonaro no poder após sua derrota nas últimas eleições.
Todos negam as acusações, e o ex-presidente se diz vítima de perseguição política.
Veja o que aconteceu até agora e o que os réus e o delator do caso, Mauro Cid, disseram:
General Heleno diz não saber de plano para matar Lula
Nesta terça, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional do governo Bolsonaro, general Augusto Heleno, também esteve no Supremo.
O general se limitou a responder às perguntas feitas pelo próprio advogado de defesa, mas se recusou pelo ministro Moraes.
Ainda em seu depoimento, Heleno afirmou que não tinha conhecimento do plano “Punhal Verde Amarelo”, que, de acordo com a acusação, envolvia o monitoramento, a prisão ilegal e até uma possível execução de Moraes, ministro do STF e então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE); Lula, à época presidente eleito; e Geraldo Alckmin (PSB), vice-presidente eleito.
“Não, de jeito nenhum”, disse Heleno quando questionado por seu advogado.
Um documento encontrado pela Polícia Federal nos arquivos de Mário Fernandes, general de brigada da reserva e ex-funcionário da Secretaria Geral da Presidência, continha um plano também instituir um “gabinete institucional de gestão da crise” que entraria em operação em 16 de dezembro de 2022, dia seguinte à operação “Copa 2022”.
Este gabinete, segundo a PF, seria chefiado pelo general Augusto Heleno e teria o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil que também é um dos réus neste processo, como coordenador-geral.
“Fui tomar conhecimento desse gabinete de transição quando já estava no jornal. Eu, em nenhum momento, fui informado dessa nova atribuição, de chefe do gabinete de transição; não sabia onde era o gabinete, não sabia do que se tratava e, quando li, imaginei que era difícil de fazer. Eu não sabia da existência dele”, disse Heleno.
O general afirmou que não participou de reunião nem foi abordado por nenhum militar a respeito. “Sinto que minha distância para alguns militares que estariam nesse suposto golpe era grande.”
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Anderson Torres: ‘Era uma minuta do Google’
O ex-ministro da Justiça Anderson Torres, disse ter havido uma falha “grave” na implementação do protocolo de segurança previsto para lidar com as manifestações de 8 de janeiro de 2023.
Em seu depoimento ao STF, Torres disse que foi uma coincidência ele não estar em Brasília naquele domingo, pois havia planejado uma viagem com sua família aos Estados Unidos meses antes do episódio.
“Houve uma falha grave no cumprimento deste protocolo […] Eu fui surpreendido com isso no domingo […] Quando eu tive a informação, eles já tinham entrado no Congresso e no Palácio do Planalto, eu, desesperado, mando uma mensagem para o meu secretário executivo, em uma mensagem que foi mal interpretada em que eu falei: ‘Não deixe chegar ao Supremo'”, disse o ex-ministro ao ser questionado sobre o assunto pelo ministro Alexandre de Moraes.
Ao ser questionado novamente sobre o assunto, Torres disse que a principal atribuição por garantir a segurança na Esplanada dos Ministérios era da Polícia Militar do Distrito Federal.
“A grande obrigação era da Polícia Militar do Distrito Federal e a eles cabe fazer a segurança da Esplanada, fazem isso há 65 anos […] Do jeito que eu deixei as coisas em Brasília, é inimaginável que acontecesse o que aconteceu no dia 8 de janeiro”, defendeu-se o ex-ministro.
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Torres também disse que não tinha nenhum indício de fraude nas urnas eletrônicas durante as eleições de 2022. A declaração foi em resposta a um questionamento feito por Moraes.
O ministro indagou Torres por conta de declarações feitas pelo ex-ministro da Justiça durante uma reunião ministerial no dia 5 de julho de 2022, em que Torres teria dito ter indícios de irregularidades na urnas eletrônicas.
“O senhor sabe que indício é um termo técnico que correspondente a indício de provas?”, indagou Moraes.
“Eu não tinha. Tanto que na sequência eu coloco (na reunião): ‘Não estou desrespeitando poder nenhum, não estou querendo atropelar ninguém’. Eram apenas colocações pessoais minhas”, disse Torres.
De acordo com o processo, Torres mencionou, ao longo da reunião, a existência de supostos indícios de fraudes no sistema eleitoral.
Almirante Garnier diz que não chegou ‘a seu conhecimento’ caso de fraude nas urnas
O ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, foi o primeiro a prestar depoimento na terça-feira.
Questionado pelo ministro Moraes sobre as alegações de que teria colocado as tropas à disposição de Bolsonaro, o almirante defende que se ateve “ao seu papel institucional”.
Moraes lembrou de falas públicas de Garnier que defendiam a auditoria das urnas eletrônicas e o apoio ao ex-presidente.
“O que eu disse é que o presidente [Bolsonaro], assim como qualquer outro ator eleito pelo povo, tem o direito de dizer e se expressar sobre o que quiser dentro da democracia a respeito de temas que sejam de sua competência”, disse ele.
“Quanto mais transparentes os processos, maior a certeza de que teríamos uma transição pacífica”, complementou o almirante.
Perguntado se as Forças Armadas encontraram alguma fraude ou problema nas urnas eletrônicas, respondeu que “não que tenha chegado ao meu conhecimento”.
O ex-comandante da Marinha negou também que tenha dito a alguém que “colocaria as tropas na rua”.
Ao ser questionado por Fux sobre as alegações de que o comandante do Exército, o general Marco Antônio Freire Gomes, teria ameaçado prender Bolsonaro caso as tentativas de golpe de Estado fossem adiante, o almirante afirmou que considera essa informação “surreal”.
“Isso não faz parte da norma das Forças Armadas, da hierarquia e da disciplina”, disse Garnier.
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Ramagem nega ‘Abin paralela’
Na segunda-feira, primeiro dia dos depoimentos, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), também foi ouvido.
Ele negou que existisse uma “Abin paralela” que faria monitoramento de autoridades. E também refutou que disseminasse informações falsas sobre supostas fraudes nas urnas eletrônicas.
Segundo Ramagem, um vídeo que ele enviou para Bolsonaro, detectado na investigação, era uma gravação oficial de teste de segurança da urna pela Justiça Eleitoral.
“É um vídeo de mais de dez minutos, que mostra a constante evolução dos testes de segurança. Não era algo contra as urnas, mas uma exposição técnica, feita em audiência pública no STF”, afirmou Ramagem.
Crédito, André Borges/EPA
Mauro Cid diz que Bolsonaro revisou a ‘minuta do golpe’
Ele confirmou ao STF que o ex-presidente discutiu e revisou minutas de documentos para decretar Estado de Sítio ou Estado de Defesa no país, no final de 2022, com objetivo de impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Cid também disse desconhecer algum envolvimento de Bolsonaro em ações preparatórias para os atos de 8 de janeiro de 2023, quando radicais invadiram as sedes dos Três Poderes. Cid disse nunca ter ouvido conversas sobre isso no governo anterior.
Após Mauro Cid, os demais começaram a ser ouvidos por ordem alfabética.
Além de Cid e Bolsonaro estão também no auditório do STF cinco réus ao lado de seus advogados: Alexandre Ramagem, deputado federal pelo PL-RJ e ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Almir Garnier Santos (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), general da reserva Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e general Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional).
Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa, que está preso preventivamente, é o único dos réus ausente. Um dos seus advogados está presente e ele falará por videoconferência.
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O que acontece depois dos depoimentos dos réus?
O interrogatório dos réus marca o fim da fase de instrução no processo penal, onde todas as provas são apresentadas. Depois disso, acusação e defesa podem solicitar diligências adicionais, ou seja, investigações que ainda julguem complementares que ainda julguem necessários, como por exemplo, escutar novas testemunhas ou solicitar documentos.
Em seguida, inicia-se um prazo de 15 dias para que ambas as partes apresentem suas alegações finais, ou seja, seus comentários e argumentos finais aos juízes antes da decisão do caso, a ser tomada em um julgamento na Primeira Turma do STF, ainda sem data.
Caso Bolsonaro seja condenado por todos os crimes, as penas máximas somadas podem superar 40 anos de prisão, já que ele é acusado de liderar a suposta organização criminosa. No Brasil, penas acima de 8 anos começam a ser cumpridas em regime fechado.
Independentemente do resultado, Bolsonaro já está impedido de disputar a eleição de 2026 por duas condenações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Uma delas devido ao uso do Palácio da Alvorada para convocar diplomatas estrangeiros e atacar o sistema de votação eletrônico.
E outra por uso político das comemorações da Independência, no feriado de 7 de setembro de 2022, em plena campanha eleitoral.