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Direitos culturais e inteligência artificial mobilizam debates no primeiro dia da Jornada Pré-Mundiacult — Ministério da Cultura



O fortalecimento dos direitos culturais frente às desigualdades e instabilidades democráticas foi o foco do Painel Direitos Culturais e os Novos Desafios Globais: contribuições da Ibero-América, realizado nesta terça-feira (9), durante o primeiro dia da Jornada Ibero-americana Pré-Mondiacult, em Barcelona. A mesa reuniu representantes de Costa Rica, Peru, Brasil, Espanha e Panamá, sob moderação da Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, Ciência e Cultura (OEI).
A presidenta da Fundação Nacional das Artes (Funarte), Maria Marighella, foi uma das integrantes da mesa e reforçou a centralidade da diversidade, da democracia e da coletividade na construção das políticas culturais brasileiras. Ela ressaltou que a Política Nacional das Artes coloca o agente coletivo como prioridade para os sistemas de financiamento, defendendo o fortalecimento de experiências compartilhadas.
“A política nacional das artes toma o agente coletivo como prioritário para a experiência desse financiamento”, afirmou.
Durante o painel, os países apresentaram experiências e estratégias inovadoras no campo dos direitos culturais. A diretora-geral de Direitos Culturais da Espanha, Jazmin Beirak, destacou a implementação do primeiro Plano Estatal de Direitos Culturais da Europa, elaborado de forma participativa, envolvendo mais de 300 pessoas e entidades, além de entrevistas, questionários e mais de mil contribuições da sociedade civil.
A vice-ministra da Costa Rica, Carmen Elena Campos Ramírez, destacou que a cultura deve ser reconhecida como direito humano fundamental, ao lado da saúde e da educação. “Para ter uma agenda efetiva em políticas públicas e políticas sobre direitos culturais, é muito importante transcender da teoria à prática no reconhecimento da cultura como um direito humano”, discursou.
Ela também ressaltou que descentralização e participação comunitária são premissas centrais para garantir acesso equitativo, incluindo povos indígenas, afrodescendentes, migrantes e populações em situação de vulnerabilidade.
Representando o Panamá, a diretora nacional de Direitos Culturais e Cidadania, Katherine Bucktron, apresentou a política cultural recente do país, estruturada a partir de consultas populares e voltada para a criação de uma institucionalidade estável e contínua, independente das mudanças de governo. “A ideia é que, quando muda uma administração, não comecem outra coisa, mas que tenhamos um plano contínuo”, relatou.
Já a consultora da OEI no Peru, Gloria Lescano, alertou para a fragilidade democrática em diversos países da região e destacou o papel da sociedade civil na resistência, na construção de memória e na formulação de políticas culturais. “Neste momento, o sucesso é resistir. Estamos em meio a situações com democracias debilitadas, onde a institucionalidade cultural de muitos dos nossos países vem sendo atingida”, avaliou.
Por sua vez, Carmen Ramírez, da Costa Rica, além de defender a cultura como direito humano, apresentou avanços como o Estatuto do Artista e a atualização das políticas nacionais de direitos culturais.
Um dos principais desafios apontados foi a precarização do trabalho artístico, que reforça a necessidade de políticas de financiamento mais amplas e distribuídas. Também foi destacada a importância de consolidar marcos jurídicos estáveis, investir em coleta de dados e estabelecer mecanismos de avaliação de impacto das políticas culturais.
As participantes reforçaram ainda a relevância da cooperação ibero-americana para enfrentar os novos desafios globais. A troca de experiências, o fortalecimento de redes culturais e a participação de organismos multilaterais — como Unesco, OEI, SEGIP e SECICA — foram apontados como elementos essenciais para avançar em inovação, diversidade e sustentabilidade cultural na região.
Cultura, IA e Direitos Autorais
O impacto da inteligência artificial sobre a cultura, os direitos autorais e a inclusão digital marcou o último painel do dia. A mesa Transformações Culturais na Era da IA: desafios e novas oportunidades da Ibero-América reuniu representantes do Brasil, Chile, Portugal e Espanha, com moderação de Isabel Ramos, da OEI.
Entre os temas em destaque estiveram a necessidade de marcos regulatórios claros, a proteção de criadores diante do uso de suas obras em sistemas de IA, e os caminhos para evitar que a tecnologia aprofunde desigualdades na região.
Do lado brasileiro, Marcos Alves de Souza, secretário de Direitos Autorais e Intelectuais do Ministério da Cultura, apresentou o pacote legislativo em tramitação no Congresso. “No Brasil, tratamos do tema IA em um pacote que são três projetos de lei”, explicou. Ele destacou ainda os desafios do setor musical: “Quase 83% da distribuição de royalties vai para um único titular, os produtores fonográficos. A remuneração dos autores é muito inferior, apenas 3%”. Para ele, o projeto brasileiro de IA avança ao exigir transparência sobre conteúdos usados em treinamentos e prever remuneração aos titulares.

Foto: Tarcisio Boquady/MinC

A professora Raquel Evangelio, diretora da Cátedra Ibero-americana de Cultura Digital e Propriedade Intelectual da OEI e da Universidade de Alicante, explicou a diferença fundamental entre direitos autorais e conexos. “A diferença está em que os direitos de autor recaem sobre obras, enquanto os direitos conexos protegem o que chamamos de prestações”, pontuou. Segundo ela, a proteção só se aplica a criações humanas: “Quando não podemos estabelecer essa causalidade suficiente com uma atuação humana, temos que dizer que não são obras protegidas”.
Representando Portugal, Manuela Paixão, diretora do Gabinete de Estratégia, Planejamento e Avaliação Cultural do Ministério da Cultura, Desporto e Juventude, trouxe a perspectiva das políticas digitais. “Menos de um quarto da população adulta portuguesa nos últimos doze meses frequentou qualquer tipo de atividade cultural”, observou. Segundo ela, o país aposta na digitalização massiva de acervos e bibliotecas para ampliar o acesso. Outra iniciativa destacada foi a oferta de assinaturas digitais de jornais para jovens como estratégia de combate à desinformação.
Na visão regional, Enrique Vargas, coordenador do Espaço Cultural Ibero-americano da OEI, reforçou a urgência de respostas conjuntas. “Somos a região do mundo mais desigual… e há novas exclusões sociais e digitais”, alertou. Para ele, além de princípios éticos e autorregulação, é preciso consolidar marcos normativos e ampliar acordos multilaterais. “O espaço ibero-americano busca fortalecer posicionamento conjunto com programas de digitalização e agendas de direitos digitais”, completou.
O painel concluiu que a inteligência artificial representa tanto riscos quanto oportunidades para o setor cultural. A construção de legislações claras, o fortalecimento da cooperação ibero-americana e o investimento em inclusão digital foram apontados como caminhos para garantir que a inovação tecnológica valorize não apenas o aspecto econômico, mas também o simbólico das produções culturais.



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