Reunindo especialistas do Brasil e do exterior, o primeiro dia do 2º Seminário Internacional Cultura e Mudança do Clima, promovido pelo Ministério da Cultura (MinC) no Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, reforçou a crescente compreensão de que a cultura é uma ferramenta indispensável para enfrentar a crise climática. Desde a diplomacia multilateral e políticas governamentais até o ativismo local e a mobilização da sociedade civil, os debates revelaram uma diversidade de abordagens, apontando para um caminho de integração que terá a COP30, em Belém, como seu palco principal.
O primeiro painel do dia, A Cultura como Eixo das Políticas de Ação Climática, mediado por Alexandre Santini, presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), ressaltou a urgência global de reduzir emissões e fortalecer a resiliência das populações mais vulneráveis. Os painelistas foram unânimes em defender que a cultura é um elemento estruturante para políticas públicas climáticas eficazes, por conectar o conhecimento técnico às práticas sociais e simbólicas das comunidades.
O ministro Fadli Zon, da Indonésia, destacou que 73% do patrimônio mundial já está sob risco climático. “A cultura deve liderar o combate à crise climática, ou não haverá mais combate a ser vencido”, afirmou. Da Eslováquia, Pavol Ižvolt apresentou o projeto Pro Monumenta, que realiza manutenção preventiva em castelos e edificações históricas com o uso de técnicas tradicionais e mão de obra local. “Manter e reutilizar edifícios históricos é uma forma sustentável de conservar carbono embutido e reduzir emissões”, declarou.
Dos Estados Unidos, Jenny Hay, da Climate Heritage Network, destacou a reutilização de materiais e o treinamento de comunidades em ofícios tradicionais como parte de uma política de economia circular em San Antonio. “O patrimônio cultural é fonte de inovação e resiliência. Se a cultura é o que torna um lugar um lar, ela precisa estar no centro de nossas políticas”, salientou. De Liverpool, Liam Robinson apresentou a cidade como uma “aceleradora da ONU” para ação climática, com redução de mais de 50% das emissões desde 2005 e planos de transporte sustentável integrados a eventos culturais.
Luis Alberto Sanabria, coordenador do Grupo de Governança e Política Cultural do Ministério da Cultura das Artes e do Conhecimento da Colômbia, abordou a relação entre diversidade biológica e diversidade cultural, apontando o conceito de enfoque biocultural como base para políticas justas e inclusivas. “Não existe cultura viva sem natureza viva: ambas se constituem mutuamente. Não há justiça climática sem justiça epistêmica”, discursou. Representando o Brasil, o ambientalista Alex Grael enfatizou o papel das cidades e da cultura na mobilização social pela ação climática. “As cidades são essenciais e podem ajudar muito mais do que estão fazendo. A cultura é a ponte entre o cidadão e os tomadores de decisão”.
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COP30
A segunda sessão, Do Mondiacult à COP30: um Mutirão Global para Colocar a Cultura no Coração da Ação Climática, mediada por Vinicius Gürtler, coordenador-geral da assessoria Especial de Assuntos Internacionais do MinC, aprofundou o debate sobre articulação internacional e a COP 30.
Com uma visão focada no ativismo global e na mobilização da sociedade civil, Alison Tickell, fundadora da organização britânica Julie’s Bicycle e líder da campanha global We Make Tomorrow, defendeu que a crise climática é, em sua essência, um desafio cultural. Ela argumentou que a liderança para posicionar a cultura no centro do debate não partiu de governos, mas da própria comunidade artística, de ativistas e, fundamentalmente, dos povos indígenas. “A cultura é inseparável do conhecimento ancestral e tradicional, das diversas línguas, práticas, crenças e do rico patrimônio dos povos indígenas”, afirmou Tickell, destacando que são esses os setores que detêm a resiliência e a memória necessárias para as soluções climáticas.
A perspectiva governamental e a implementação de políticas públicas foram trazidas por Ignácio Blanco, diretor adjunto de Relações Internacionais do Ministério da Cultura da Espanha. Ele apresentou as ações concretas de seu país, que estabeleceu a ação climática como prioridade em suas políticas culturais. Blanco detalhou a publicação de um “green paper” sobre a gestão sustentável do patrimônio e o desenvolvimento de protocolos para a implementação de energias renováveis em sítios históricos, iniciativas que a Espanha levará à Mondiacult 2025. “O Ministério da Cultura da Espanha estabeleceu a ação climática como uma de nossas principais prioridades”, declarou.
“A gente precisa trazer essas outras vozes para dentro, não só do processo da COP, mas para transformar o modelo de desenvolvimento do Brasil e do mundo de uma maneira que a gente descarbonize as economias, mas também construa resiliência” disse o mediador Vinicius Gürtler. Ele explicou a complexidade do cenário multilateral, mas celebrou as conquistas, como a inclusão da cultura e a proteção ao patrimônio cultural no texto final da COP28, um passo que abriu caminho para uma agenda mais ambiciosa na COP30.
Do local para o global, a voz da juventude e dos territórios foi representada por Marcele Oliveira, produtora cultural, ativista e Jovem Campeã Climática da COP30. Ela trouxe uma perspectiva potente sobre o protagonismo das periferias na luta climática. “A cultura periférica é um espaço de resistência e de criação de alternativas que dialogam diretamente com as comunidades mais afetadas pelas mudanças climáticas. É fundamental que a juventude periférica seja reconhecida como protagonista dessa mobilização, porque é nela que reside a força para transformar realidades e construir um futuro mais justo e sustentável”, declarou. Com o exemplo do Parque de Realengo, no Rio de Janeiro, Marcele demonstrou como a mobilização territorial, quando ancorada na cultura, pode gerar políticas públicas concretas e ressignificar a identidade de comunidades historicamente marginalizadas.
Representando a visão da presidência brasileira da COP30, Alice Amorim, trouxe uma perspectiva urgente sobre o momento. “Estamos num ponto de inflexão incrível, onde não podemos permitir que os próximos 30 anos sejam sequer remotamente iguais aos últimos 30. Cada dia de atraso gera mais sofrimento para as pessoas que já enfrentam os impactos desse mundo turbulento, e essa falha se deve, em parte, às políticas que continuam a ignorar essa solução comprovada que é a cultura, o patrimônio, as artes e as indústrias criativas”, afirmou. Ela reforçou que a COP30 precisa resgatar o Acordo de Paris trazendo a ética de volta ao centro do balanço global, reconhecendo a cultura como o coração pulsante da ação climática.
A expectativa é que o mutirão global, que ganha força desde a Mondiacult, atinja um ponto de maturação na COP30, consolidando o Brasil como um líder na construção de um futuro mais justo e sustentável, onde a cultura é, finalmente, reconhecida como o coração da ação.




