A organização criminosa investigada por agiotagem, lavagem de dinheiro e extorsão, supostamente formada por um ex-policial militar e outros oito PMs, movimentou, apenas em três empresas de fachada, entre 2020 e 2022, ao menos R$ 58,4 milhões. O grupo utilizava principalmente o mercado de automóveis como mecanismo para lavar o capital ilícito.
As informações coligidas pelos órgãos de inteligência revelaram que Tiago realizava empréstimos ilegais a juros abusivos
Os dados constam na decisão que autorizou as buscas, apreensões e bloqueios, assinada pelo juiz Moacir Rogério Tortato, do Núcleo de Justiça 4.0 do Juiz das Garantias. Segundo o magistrado, o esquema era liderado pelo ex-policial militar Tiago Alves da Silva.
“As informações coligidas pelos órgãos de inteligência revelaram que Tiago realizava empréstimos ilegais a juros abusivos, preferindo receber veículos como forma de garantia, dada a facilidade de alienação, e utilizando-se de terceiros para registrar bens, em evidente tentativa de afastar o rastreamento patrimonial”, consta na decisão.
Além dele, também são investigados os policiais militares Oberdann Vinícius de Morais, Eloi Adriano Alfonso Moraes, Matheus de Lara Arguelho, Dilemir Lima Santos, Mário Sérgio de Oliveira, Pedro Antônio Norato Victor, Nilson Moraes de Aguiar e Jonny Zielasko Júnior.
Foram alvos das ordens ainda Eclesiaste Alves da Silva (irmão de Tiago), Abrantes Campos Martins e Abrantes Campos Martins Júnior, Adriano Pereira Costa, Jaison Lemes de Oliveira, Elieser Vieira da Silva, Thiago Ferreira Borges, Vanessa da Silva Souza, Jean Cabral de Barros, Jairo Rodrigo de Pinho, Rafaela Cristina de Oliveira Santos, Wictor Hugo Gomes Bonomo, além do contador Victor Hugo Lucas Silva, responsável por estruturá-las.
A investigação teve início após a Corregedoria da Polícia Militar identificar evolução patrimonial completamente incompatível com o salário de Tiago. Em 2021, ele ostentava 18 veículos, incluindo um Chevrolet Camaro, uma Volvo XC60 e uma BMW, avaliados em R$ 1,33 milhão.
“O investigado possuía, já em 2021, um acervo patrimonial expressivo e manifestamente incompatível com sua remuneração como servidor público militar”, afirma o magistrado.
O Gaeco (Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado) constatou que a maior parte da movimentação financeira passava por empresas de fachada. Entre elas, a TS Incorporação Ltda., a TS Soluções Cred Empresa Simples de Crédito Ltda. e a Alves e Freitas Ltda., todas registradas no mesmo endereço onde funciona a loja “Silva Multimarcas”.
Segundo o órgão, o local funcionava como o “escritório de agiotagem” do grupo. A TS Incorporação movimentou R$ 16,1 milhões em créditos e débitos. A TS Soluções Cred transacionou R$ 14,6 milhões, e, como consta na decisão, teve débitos “praticamente iguais aos créditos”, permitindo somar integralmente as operações. Já a Alves e Freitas Ltda. movimentou R$ 27,6 milhões.
Somadas, as três empresas ultrapassam R$ 58,4 milhões, apesar de não possuírem capacidade econômica ou operacional compatível com tais cifras.
“Os agentes que realizaram diligências de vigilância e monitoramento confirmaram que os estabelecimentos Silva Multimarcas e Silva Lavacar, ambos localizados em Várzea Grande/MT, embora haja veículos estacionados no local, não se observam clientes, atendimentos, mesas de negociação, publicidade ou presença de representantes de instituições financeiras, elementos que reforçam a conclusão acerca da lavagem de dinheiro”, analisou.
A decisão ainda apontou que o grupo utilizava terceiros para mascarar a origem dos veículos e dar aparência lícita às transações. Entre essas pessoas, aparece uma vendedora de automóveis identificada como peça estratégica.
“Sob a ótica da lavagem de dinheiro, a investigação traçou urn fluxo de transações de veículos automotores e motocicletas de valor expressivo entre Matheus, Tiago Alves da Silva, Vanessa Silva Souza e Oberdann Vinicius de Moraes. Parte dessas operações foi intermediada pela T.S. Factoring Fomento Mercantil Ltda., pertencente a Tiago, o que demonstra a utilização do mercado automotivo como um dos principais mecanismos de disfarce patrimonial e de escoamento de recursos”.
O juiz destacou ainda que Vanessa, ex-esposa de Tiago, aparecia como adquirente de diversos veículos de alto valor, que logo eram revendidos ou transferidos dentro da própria rede do grupo, prática típica de lavagem de dinheiro com rápido giro de automóveis.
“A simulação de negócios jurídicos, característica da lavagem, é evidente no sobrepreço na aquisição de imóveis, como o caso em que a TS Incorporação Ltda. desembolsou R$ 200.000,00 por um terreno avaliado em cerca de R$ 55.000,00, configurando urna elevação artificial de mais de 500% sobre o valor de mercado – tática de operação simulada para justificar o ingresso de dinheiro ilícito”.
Violência nas cobranças
A decisão também reúne boletins de ocorrência que relatam violência armada para forçar o pagamento dos empréstimos ilegais. Há registros de cárcere privado, tortura e ameaças.
“Boletins de ocorrência (…) narraram situações de cárcere privado, ameaças armadas e tortura empregadas pelo investigado Tiago e seus comparsas para assegurar o pagamento das dívidas, o que confirma a existência de uma organização criminosa voltada para a prática de crimes, dentre eles usura e extorsão”, destacou.
Em um dos casos, uma vítima precisou abrir mão de sua parte em um bar para tentar quitar a dívida, mas ainda assim foi agredida. “Relata ainda que, mesmo assim, Tiago alegou faltar uma quantia e o torturou na companhia de outros indivíduos”, registra o boletim.
Em outro episódio, pai e filho, Abrantes Campos Martins e Abrantes Campos Martins Júnior, foram mantidos em cárcere privado e ameaçados com arma de fogo, sendo obrigados a assinar uma promissória sob coação.
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