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Crédito, Getty Images
A entrada do Irã no Brics no ano passado, quando o bloco cresceu de 5 para 11 membros, trouxe para dentro do grupo os conflitos entre o país de maioria persa e Israel e Estados Unidos.
O encontro de líderes ocorre no domingo (6/7) e na segunda-feira (7/7) no Rio de Janeiro, sob liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva — essa edição, porém, terá ausências importantes, do presidente chinês, Xi Jinping, que veio ao Brasil para o G20 no ano passado, e do presidente russo, Vladimir Putin, que sofre restrições de viagens internacionais por uma condenação no Tribunal Penal Internacional devido à invasão da Ucrânia.
Os recentes conflitos também provocaram o cancelamento da vinda do presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, que será representado por seu ministro das Relações Exteriores, Seyed Abbas Araghchi.
Segundo fontes envolvidas nos debates do Brics, a piora do conflito com Israel endureceu a posição do Irã nas negociações para a declaração de líderes, documento final da cúpula.
O país passou a se opor à menção de uma solução de dois Estados para o conflito envolvendo a Palestina, uma posição tradicional do Brics. O Irã não reconhece a existência de Israel.
As negociações para a declaração continuam até segunda-feira e incluem, também, como a guerra recente será mencionada.
Em 24 de junho, o Brics condenou os ataques ao país de maioria persa em nota conjunta, mas não citou nominalmente Israel e Estados Unidos.
A manifestação dizia que as agressões a Teerã “constituem violação do direito internacional e da Carta das Nações Unidas” e conclamava as partes envolvidas a “resolver suas divergências por meios pacíficos”.
Por outro lado, a nota também destaca “a necessidade de estabelecimento de uma zona livre de armas nucleares e outras armas de destruição em massa no Oriente Médio, em conformidade com as resoluções internacionais pertinentes”.
Para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a nota do grupo mostra que o apoio ao membro é limitado e sofre resistências, em especial da Índia, que tem em Israel hoje um aliado fornecedor de equipamentos de defesa.
“Essa nota reflete as profundas divisões que existem entre os Brics, porque não cita nem Israel, nem Estados Unidos”, afirma Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisador afiliado do think-tank Carnegie Endowment for International Peace, em Washington.
“Isso mostra que é muito pouco provável que os Brics se coloquem de uma forma radical em relação a algum evento geopolítico, porque são agora vários países. Então, é difícil mesmo negociar”, prossegue
“Fato é que o Brics, como um bloco, não é um ator relevante no conflito envolvendo o Irã.”
A entrada do Irã no Brics foi patrocinada por dois importantes aliados: China e Rússia, duas potências nucleares. Isso não significa, porém, garantia de apoio militar a Teerã, ressaltam os especialistas.
“A entrada no Brics fortalece o Irã, mas não a ponto de prover qualquer tipo de guarida ou escudo. Na verdade, o Irã teve de lutar sozinho. Praticamente, teve que confrontar Israel e, depois, os Estados Unidos com seus próprios meios”, afirma o professor de Política Internacional e Comparativa na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Dawisson Belém Lopes.
“Porque o Brics não é uma aliança baseada na ideia de segurança coletiva, não é uma aliança militar. Ele é, sobretudo, uma aliança político-institucional, e mais política do que institucional. A institucionalidade do Brics ainda é frágil.”
Crédito, Reuters
Expansão do Brics contrariou Brasil
O Brics nasceu em 2009 com apenas quatro membros — Brasil, Rússia, China e Índia, daí a sigla, que virou seu nome — e, em 2011, passou a contar também com África do Sul.
Após anos funcionando como um pequeno conglomerado de grandes países emergentes, se expandiu em 2024 com a entrada de Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã.
A Arábia Saudita até o momento não formalizou sua adesão, embora esteja participando das reuniões.
Além disso, há nove países “parceiros” do bloco: Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão.
A expansão foi impulsionada por China e Rússia, interessados em fortalecer o bloco em contraponto às potências ocidentais, e contou com resistência por parte do Brasil, que viu sua relevância ser diluída.
O grupo passou a receber acusações de ser “antiocidental”, devido à entrada de mais ditaduras, como Irã, Arábia Saudita, Egito e Emirados Árabes Unidos.
“O Brasil foi contra a adesão do Irã. Foi atropelado pela China e a Rússia”, lembra Stuenkel.
“Isso complicou a estratégia brasileira, mas também indiana e sul-africana, porque há uma divisão no Brics entre um grupo mais antiocidental [liderado por Rússia e China] e um grupo com Brasil que não é antiocidental, um grupo que busca uma estratégia mais equilibrada.”
Na sua visão, o Brasil não tem interesse que os ataques ao Irã sejam um tema dominante na cúpula de líderes, “porque isso pode atrair a ira de Donald Trump [presidente dos EUA]”.
Sua expectativa é que o assunto não receberá uma menção enfática na declaração final da cúpula, a manifestação mais importante do bloco no encontro.
“Uma declaração muito forte poderia até dificultar a estratégia brasileira de desenvolver uma postura de multi-alinhamento. O Brasil está no meio de uma negociação muito difícil envolvendo COP 30 [a Cúpula do Clima das Nações Unias que ocorre em novembro em Belém]. Então, quanto mais técnicas as negociações do Brics, melhor para o Brasil”, ressalta.
Apesar das dificuldades extras criadas pela expansão do grupo, Stuenkel ainda considera positivo para o Brasil integrar o Brics.
“É útil para o Brasil, porque aproxima e estabelece um diálogo mais sofisticado e institucionalizado com países que o Brasil não conhece e precisa conhecer”.
Em reportagem recente, a revista britânica The Economist chegou a dizer que a participação do Brasil em um Brics dominado pelas agendas de China e Rússia faz o país “parecer cada vez mais hostil ao Ocidente”.
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, respondeu, em carta à publicação, que o Brasil vê o Brics como um “ator incontornável na luta por um mundo multipolar” e que trabalha na presidência do bloco “para fortalecer o perfil do grupo como espaço de concertação política em favor da reforma da governança global e como esfera de cooperação em prol do desenvolvimento e da sustentabilidade”.
E a guerra russa na Ucrânia?
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A agressão foi fortemente condenada pelas potências ocidentais do G7 — Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido — que adotaram sansões contra Moscou, mas nunca foi criticada pelo Brics.
Para Stuenkel, é evidente que os dois grupos adotam posturas diferentes a depender das partes envolvidas nos conflitos.
“Os países membros têm poder de veto. Então, não tem como o Brics fazer uma condenação mais firme contra a própria Rússia, que não vai assinar uma declaração se condenando”.
“E do mesmo jeito que o G7 não vai fazer uma condenação de crimes de guerra cometidos por Israel em Gaza, porque os Estados Unidos [fiel aliado de Israel] não vão apoiar”.
Com forte presença de países árabes muçulmanos, o Brics dedicou dezesseis linhas da declaração da cúpula do ano passado ao conflito entre Israel e Palestina.
O bloco manifestou “grave preocupação com a deterioração da situação e com a crise humanitária no Território Palestino Ocupado, e em especial com a escalada sem precedentes da violência na Faixa de Gaza e na Cisjordânia em decorrência da ofensiva militar israelense, que resultou em assassinatos e ferimentos em massa de civis, deslocamento forçado e destruição generalizada da infraestrutura civil”.
No caso da Ucrânia, foram pouco mais de quatro linhas, que iniciavam relembrando “as posições nacionais” de cada membro do bloco, sem detalhar.
“Enfatizamos que todos os Estados devem agir de forma consistente com os Propósitos e Princípios da Carta da ONU em sua totalidade e inter-relação. Observamos com apreço as propostas relevantes de mediação e bons ofícios, visando a uma resolução pacífica do conflito por meio do diálogo e da diplomacia”, concluía o trecho sobre o conflito russo.
A maioria dos países do Brics têm mantido neutralidade sobre a guerra da Ucrânia. O Brasil, por sua vez, criticou a invasão, embora mantenha boa relação com Moscou.
Para Dawisson Lopes, a posição brasileira segue a tradição do país de defender o princípio da soberania territorial.
“Então, mesmo que haja uma aliança tácita, mesmo que os países [Brasil e Rússia] se relacionem e o Brasil não tenha imposto sanções e embargos à Rússia, houve essa condenação porque esse [soberania territorial] é um ponto de apoio inegociável.”