Investigação da Polícia Federal aponta que associações suspeitas de irregularidades nos descontos do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) usavam uma funerária para fraudar a morte de aposentados e lavar dinheiro oriundo do esquema.
A Global Planos Funerários recebeu, segundo dados do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), R$ 34 milhões da Caap (Caixa de Assistência aos Aposentados e Pensionistas) e R$ 2,3 milhões da Aapen (Associação dos Aposentados e Pensionistas Nacional), investigadas pela PF por descontos sem autorização nas contas do INSS. As duas entidades ficam no Ceará e, por isso, estão sendo investigadas pela PF lá.
A Justiça Federal viu suspeitas de lavagem de dinheiro envolvendo as entidades, autorizou buscas nos endereços delas e mandou bloquear até R$ 147,3 milhões da Caap, R$ 147,3 milhões da Global e até R$ 202 milhões da Aapen.
A empresa Global também tem sede no Ceará, onde um serviço funerário pode custar até R$ 4.000, segundo relatório da PF. Dessa forma, os valores, repassados entre 2022 e 2024, serviriam para custear o enterro de 8.713 pessoas, 19 associados mortos por dia.
No caso da Aapen, seriam 3,78 mortes por dia. A PF questiona como essas associações, mesmo com tantas supostas mortes, mantiveram intacta a quantidade de associados que pagavam mensalmente suas contribuições pelas contas do INSS.
A PF também identificou que, em relação à Caap, os pagamentos à funerária começaram em novembro de 2022, dois meses após a entidade começar a receber valores descontados dos aposentados por meio de um acordo com o INSS.
A Global Planos Funerários pertence a José Lins Neto, ex-presidente da Caap e vinculado à Aapen. Outro indício de que as mortes são falsas é que, na realidade, nenhuma das duas associações, Aapen ou Caaps, oferecia plano funerário a seus associados.
O Coaf identificou que, enquanto recebia repasses das associações, a funerária repassou R$ 12 milhões para a Clínica e Laboratório Máxima Saúde Ltda, que tem entre os sócios o genro da tesoureira da Aapen, Maria Luzimar Rocha Lopes.
A PF aponta, em relatório obtido pelo UOL, que esse caminho (das associações à Global e depois, à Máxima) era usado para lavar dinheiro dos descontos ilegais. “Difícil entender uma prestação de serviços funerários para a Global pela empresa Máxima Saúde bem como o elevado montante de recursos que justifique tal transferência”, diz a PF no relatório.
A tesoureira da Aapen recebeu R$ 700 mil em transações suspeitas, segundo o Coaf. Já que Maria Luzimar teria se beneficiado do esquema, a PF aponta que ela “não é propriamente uma laranja”, ou seja, que não era apenas uma intermediária.
No início de 2024, a Caap tinha 265,4 mil associados com descontos na conta do INSS. Já a Aapen tinha 382,4 mil, sendo que todos deram as autorizações, supostamente, durante o ano de 2023 —em 2022, não havia nenhum desconto autorizado.
A Aapen faturou R$ 81,9 milhões com descontos de associados desde 2019, e a Caap, R$ 48 milhões. Ambas foram presididas por Cecília Rodrigues Mota, suspeita de ter desviado o dinheiro dessas instituições para enriquecimento ilícito e pagamento de propina.
Uma auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União) ouviu, de forma amostral, 210 supostos associados da Aapen, e todos disseram que o desconto não tinha sido autorizado. Na Caap, uma pessoa de 215 disse que autorizou o pagamento.
A funerária Global teve o CNPJ encerrado na Receita Federal em 1º de abril deste ano, mês em que foi alvo de operação da PF (no dia 23). A reportagem tentou contato no telefone da empresa cadastrado na Receita, mas ninguém atendeu.
Procuradas, a Caap, a Aaapen e a Máxima Saúde, não responderam. A reportagem também não obteve resposta de Cecília Rodrigues Mota, José Lins Neto e Maria Luzimar