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Crédito, Jade Queiroz – MTUR
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- Author, Camilla Veras Mota
- Role, De Fortaleza para a BBC News Brasil
O avanço das redes móveis como o 5G e o próprio conceito da computação “em nuvem” podem dar a impressão de que a infraestrutura por trás da internet hoje em dia é sem fio.
A realidade, contudo, é que ela é majoritariamente ligada por cabos.
Uma parte importante dessa rede está debaixo d’água: quase 600 cabos submarinos de fibra óptica conectam o mundo hoje, funcionando como uma espécie de espinha dorsal da internet.
É por meio deles que os dados viajam de um continente para outro — os filmes que você assiste pelos serviços de streaming, as fotos que compartilha pelas redes sociais, os arquivos que salva na nuvem.
No Brasil, a maioria dessas “rodovias” de informação chega por um mesmo lugar. Na praia do Futuro, em Fortaleza, 16 cabos submarinos ligam o país à Europa, à África, ao Caribe, aos EUA.
A concentração faz da capital cearense uma das cidades com maior quantidade de cabos submarinos ancorados no mundo.
Segundo a TeleGeography, consultoria que mantém uma base de dados sobre infraestrutura de telecomunicações, é a primeira na América Latina e a 17ª no mundo. Cingapura está no topo da lista, com 28 cabos.
“Fortaleza acolhe a grande maioria dos cabos submarinos que chegam ao Brasil e concentra perto de 90% do tráfego internacional que chega ou sai do país”, diz Antonio Moreiras, gerente de projetos e desenvolvimento do NIC.br, entidade que implementa as decisões do Comitê Gestor da Internet no Brasil e é responsável pela emissão e registro dos domínios “.br”.
Crédito, Reprodução/TeleGeography
A principal razão é geográfica: a cidade é um dos centros urbanos brasileiros mais próximos simultaneamente tanto dos EUA quanto da Europa e da África, diz Rodrigo Porto, professor titular de Telecomunicações da Universidade Federal do Ceará (UFC).
“A praia do Futuro, por sua vez, tem um leito oceânico estável, ou seja, sem muita movimentação de sedimentos no fundo, não é uma das regiões mais densamente povoadas da cidade e tem terrenos disponíveis para construção”, acrescenta o especialista.
Essa faixa do litoral é um dos principais destinos turísticos da cidade — é lá que estão as mega barracas procuradas por turistas e locais especialmente aos finais de semana.
A alta concentração de maresia, contudo, deixou a praia do Futuro às margens do processo de especulação imobiliária que transformou outras regiões da capital cearense nos últimos anos.
“E tem um fator hoje importante, que vem ganhando força, que é o fato de o Estado [do Ceará] ser um grande produtor de energia renovável, solar e eólica”, acrescenta Porto.
Esse conjunto de fatores, segundo o professor, consolidou Fortaleza como um hub de conectividade.
Dados do NIC.br mostram que a cidade ultrapassou recentemente o Rio de Janeiro e passou a ser a segunda com maior tráfego de dados pela internet entre as 38 cidades (ou “ponto de troca de tráfego”, no jargão do setor) acompanhadas pela entidade. A primeira é São Paulo.
Crédito, Getty Images
Rodovias submarinas conectam os ‘cérebros’ da internet
Os cabos submarinos são como grandes rodovias que permitem que a informação circule com rapidez pela rede mundial de computadores.
Sua principal função é transportar dados entre data centers, que são, por sua vez, estruturas que operam como uma espécie de “cérebro” da internet.
É nessas instalações que empresas como Google, Meta, Netflix e Amazon armazenam dados. Por isso, são ambientes com níveis de segurança extremamente elevados.
Os centros de dados do Google, por exemplo, chegam a usar identificação biométrica da íris para controlar quem tem acesso a determinados espaços.
Em Fortaleza, atualmente seis data centers operam com níveis mais elevados de certificação de segurança, que garante que os equipamentos continuem a funcionar mesmo diante de intempéries climáticas severas e de falta de energia.
A BBC News Brasil visitou um deles, o da Angola Cables, que ocupa uma área de 3 mil metros quadrados a cerca de 850 metros da orla da praia do Futuro.
O espaço que abriga dezenas de armários de ferro com servidores de clientes é totalmente vedado e tem temperatura e umidade controladas 24 horas por dia.
O acesso é permitido a poucos funcionários, que precisam deixar equipamentos eletrônicos guardados em uma gaveta com chave antes de adentrar a porta giratória que liga os espaços do prédio.
Segundo a Empresa de Tecnologia da Informação do Ceará (Etice), há pelo menos outros três espaços como esse em construção, com investimentos previstos em R$ 2,1 bilhões.
Além de um megaempreendimento com investimento previsto de R$ 50 bilhões que deve ser erguido na região do porto do Pecém, próxima à Fortaleza, para abrigar um data center que, conforme noticiou recentemente a agência de notícias Reuters, estaria gerando interesse em grandes empresas de tecnologia como a chinesa ByteDance, dona do TikTok.
À reportagem, o TikTok afirmou que no momento não confirma nem nega a informação.
A Casa dos Ventos, responsável pelo projeto, disse que o início da construção está previsto para o segundo semestre de 2025 e que a expectativa é que o complexo entre em operação em 2027.
Como funciona a internet
A estrutura que a reportagem visitou é também estação de desembarque de um dos 16 cabos que chegam a Fortaleza, no caso, o que vem de Angola.
Depois de viajar milhares de quilômetros pelo fundo mar — quando um navio literalmente foi desenrolando o fio de um carretel e posicionando o cabo no leito oceânico pelo caminho, a profundidades que chegaram a milhares de metros —, ele foi aterrado na praia do Futuro até alcançar o interior do prédio do data center, de onde foi conectado à rede interna do país em 2018.
A parte visível dele fica dentro de um armário de ferro protegido na área controlada do prédio.
Os data centers são um pedaço da enorme infraestrutura física responsável por manter a internet em funcionamento.
É desses centros de armazenamento que os dados viajam, também por uma malha de cabos, até finalmente chegarem às redes sem fio de wi-fi ou às redes móveis de 4G/5G que hoje geralmente entregam a informação ao usuário final.
É o que acontece, por exemplo, quando o assinante de um serviço como a Netflix clica em um filme na plataforma.
O período que o site leva para carregar o arquivo é o tempo de o dado sair de um dos data centers onde a Netflix guarda seu catálogo — nesse caso, aquele que for mais próximo de onde mora o usuário —, percorrer os fios de fibra óptica até a vizinhança do assinante e ser distribuído pelo wi-fi ou a rede de telefonia móvel para uma televisão ou um celular.
Caso o filme que o usuário escolheu não esteja em um data center no Brasil, ele primeiro viaja de outro continente pelo cabo submarino até o território nacional para depois fazer esse caminho.
Tudo isso geralmente acontece em menos de um segundo, graças à tecnologia da fibra óptica, por onde a informação viaja em velocidade próxima à da luz.
“A nuvem é só uma imagem que a gente usa, mas, na verdade, tudo é engenharia, tudo tem meio físico, tem equipamento”, comenta o professor Rodrigo Porto.
Cerca de 97% dos dados que circulam de um continente para outro trafegam pelos cabos submarinos, conforme os registros da Agência Europeia para a Segurança das Redes e da Informação (Enisa) repassados à reportagem pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Os satélites correspondem apenas por uma fração dos 3% restantes. Segundo Porto, eles hoje desempenham mais um papel complementar, para chegar a regiões remotas, onde a infraestrutura de fibra óptica não está presente.
Crédito, Getty Images
E se o cabo submarino der defeito?
Os cabos submarinos têm uma vida útil média de 25 anos, quando geralmente são substituídos, em operações que custam centenas de milhões de dólares.
Antes disso, contudo, estão sujeitos a problemas técnicos — e até a sabotagem.
Mergulhadores conseguem fazer reparos em regiões costeiras, diz Porto, mas caso a pane aconteça em grandes profundidades, a alternativa pode ser enviar um robô ou pinçar o cabo de volta à superfície para que um técnico possa fazer o serviço necessário.
“É realmente bem complexo”, comenta o professor, emendando que, dada sua importância, os cabos têm ganhado protagonismo na geopolítica global e virado inclusive alvo de ações militares.
No caso dos cabos ancorados na praia do Futuro, para ficar no exemplo ilustrativo da Netflix, caso houvesse problema em um deles, uma possível consequência poderia ser a demora para atualizar o cardápio de filmes e séries, já que a transmissão de dados entre continentes seria prejudicada.
O transtorno não seria maior porque boa parte do tráfego de internet no Brasil tem origem no próprio país, algo entre 70% e 80%, conforme os dados do NIC.br.
“Haveria impacto principalmente nas conexões que dependem de servidores fora do país”, explica Antonio Moreiras, gerente de projetos e desenvolvimento da entidade.
“A maior parte do vídeo, da rede social e do cloud seguiria fluindo normalmente, graças ao IX.br”, acrescenta, referindo-se à infraestrutura da internet brasileira.