A combinação entre a mobilização popular que antecede a lei e o uso de dados para criar políticas públicas que sejam de fato eficazes, e não apenas ilustrativas. Esta foi a principal lição do segundo dia do 1° Seminário Nacional de Ações Afirmativas na Cultura, realizado nesta quarta-feira (8), em São Paulo. O evento, promovido pelo Ministério da Cultura (MinC), contrapôs experiências de sucesso para mostrar que o avanço da diversidade no setor depende de uma aliança estratégica entre a sociedade civil e o Estado.
Dois casos apresentados na primeira mesa do dia materializaram essa tese. Em Peruíbe, pequeno município do litoral paulista, a secretária de Cultura, Cassiane Tomilheiro, e a conselheira Fabiana Priscila do Nascimento relataram como a organização da comunidade foi fundamental. Antes mesmo da chegada dos recursos da Lei Aldir Blanc, um comitê participativo já estudava a legislação e mapeava as necessidades de comunidades indígenas, caiçaras e povos de terreiro.
“A gente já defendia a política antes mesmo de ela chegar. Isso é democracia na prática”, resumiu Fabiana. O resultado foi a ampliação do acesso aos editais e o fortalecimento do Sistema Municipal de Cultura.
Em outra ponta, Nathália Cavalcanti, da Secretaria de Cultura de Pernambuco, demonstrou como o poder público pode qualificar essa demanda com o uso de dados. O estado foi além dos percentuais obrigatórios, aplicando reservas de 25% para pessoas negras e 10% para indígenas, e criou mecanismos para analisar o perfil dos inscritos e selecionados. O objetivo, segundo ela, é superar desafios como a comprovação de autodeclarações e garantir que a política seja transformadora. “A política afirmativa precisa ser efetiva, e não apenas ilustrativa”, afirmou.
Articulando as pontas da mobilização social e da gestão pública, a secretária de Articulação Federativa e Comitês de Cultura, Roberta Martins, explicou o papel do Ministério da Cultura como um unificador dessas estratégias. Ela destacou a importância de políticas desenhadas com base em dados estruturados e com foco na interseccionalidade, e ressaltou a função da instrução normativa nacional do MinC como um instrumento de orientação e segurança jurídica. Segundo Martins, a normativa ampara tanto os gestores locais quanto fortalece a sociedade civil na cobrança pela efetivação de seus direitos.
A importância do protagonismo dos movimentos sociais foi o fio condutor da mesa seguinte. Gustavo Melo, do movimento negro de Salvador, relembrou o Fórum Nacional de Performance Negra como um marco na pressão por mudanças estruturais nos editais. A artista e ativista indígena Juliana Xucuru usou a metáfora do ritual do Toré para defender políticas mais flexíveis e alertou para as barreiras de conectividade que excluem artistas de seus territórios. Já Silvany Euclênio, pesquisadora do movimento negro, foi taxativa: “Essa teoria de que no campo da cultura não há racismo não é válida. O que a gente conquistou foi fruto de muita luta, muitas vezes solitária”.
Olhando para o futuro, um painel com falas inspiradoras trouxe reflexões sobre os próximos passos. Adriana Barbosa, fundadora da Feira Preta, defendeu a urgência de regulamentar o mercado da economia criativa com ações afirmativas. Mukaíla Monika, do Conselho Nacional de Política Cultural, cobrou a criação de um comitê técnico LGBTQIA+ no MinC para garantir políticas efetivas. E o ator Hilton Cobra encerrou com um chamado à vigilância: “Se não tivermos recursos absolutos e suficientes, daqui a pouco nós estamos juntos de novo para alterar esse nosso trabalho de ação afirmativa”.
O dia terminou com a formulação coletiva de “ideias-força”, propostas diretas da plateia para o poder público, consolidando o caráter participativo do encontro.
Início CULTURA Seminário do MinC destaca que sucesso de ações afirmativas une mobilização popular...