A proteção à propriedade intelectual dos conhecimentos tradicionais e a contribuição desses povos e comunidades para a preservação ambiental marcaram a manhã de debates desta sexta-feira (19) do Seminário Internacional de Culturas Tradicionais e Populares e Justiça Climática, realizado na Chapada dos Veadeiros (GO). Ao abrir a programação, o secretário-executivo do Ministério da Cultura (MinC), Márcio Tavares, reforçou a necessidade de ampliar a voz desses segmentos na busca por soluções para a emergência climática. Lembrou que essa discussão se torna ainda mais relevante no contexto de realização da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), em Belém (PA), no mês de novembro.
“A grande riqueza do Brasil está justamente representada nesse seminário de culturas populares e tradicionais. É a força que os povos ribeirinhos, os povos das matas, os representantes dos congados, do samba de roda, do maracatu, a população quilombola, os nossos povos indígenas têm para demonstrar que uma outra relação com a natureza é possível, uma outra relação com a economia é possível, um outro modo de vida é possível. Nesse ano de COP30, em que o Brasil está no centro do debate mundial sobre a questão do clima, precisamos mostrar que nós temos soluções próprias e possíveis para que a emergência climática possa ser superada, desde que as vozes de vocês possam emergir”. E completou: “nós estamos num momento decisivo para o mundo, e a cultura cada vez mais precisa se colocar naquilo que ela é, um eixo central para uma proposta de desenvolvimento equitativo, sustentável e que realmente abrace a todos os povos”.
No painel Conhecimentos e Culturas Tradicionais e Ação Climática, a Mestra Esmeraldina dos Santos, do Quilombo do Curiaú, no Amapá, reforçou a importância de preservar as histórias e tradições de seus antepassados. “Não podemos perder nossa história, nossa arte, nossas memórias, nossos povos que estão indo embora. E o que é que está ficando para nós? Só a terra queimada e as pessoas saindo da cidade para jogar lixo dentro da nossa comunidade. Eu vivo da arte, da alegria e quero que todos nós possamos viver assim”, defendeu. Escritora, contadora de histórias e cantadeira de marabaixo, a Mestra Esmeraldina é autora de livros infantis, meio que encontrou para contar as tradições e o cotidiano das comunidades tradicionais.
Um dos objetivos deste painel foi discutir como os impactos do cenário de emergência climática afeta desproporcionalmente diferentes comunidades. A Mestra Zenaide, parteira, cantora e compositora do Acre, por exemplo, alertou que as mudanças já são visíveis em seu território. “A natureza não tem mais força, as águas estão se acabando, os peixes estão morrendo. O povo faz desmatamento nas nas margens, o rio seca e os peixes somem. Eu estou com muito medo, mas o medo do machado, da moto-serra, dos garimpeiros e dos que estão atrás de matar a natureza”, disse.
Segundo Márcio Barros, coordenador do Observatório da Diversidade Cultural, é preciso a união dos artistas, dos guardiões dos conhecimentos tradicionais, dos gestores e dos pesquisadores em relação a duas questões centrais que se colocam no país: a defesa da democracia e a garantia dos direitos fundamentais da população, como o direto a sua identidade e a valorização da diversidade cultural.
“A vida do nosso planeta depende simultaneamente de uma consciência planetária, em que a gente se sinta responsável pela vida no planeta em qualquer território, mas que cada um de nós faça a sua parte no chão onde pisa, nas instituições onde participa. Esse o apelo desse seminário: nós precisamos colocar esses saberes tradicionais a serviço da superação daquilo que a gana do capitalismo produziu. Precisamos ocupar os lugares, lutar pelos direitos, lutar pela cidadania, integrar a tradição com contemporâneo, a ciência com saberes tradicionais. Isso que vai nos fazer chegar na COP 30 com mais força para que esses países entendam que, no Brasil, estamos juntos em defesa da democracia e na superação da desigualdades”, defendeu.
Também participaram do painel Bruno Máximo, coordenador-geral de Turismo Sustentável e Responsável do Ministério do Turismo; e Kildren Rodrigues, do Instituto Federal Goiano.
Propriedade Intelectual
O Painel Culturas Populares e Propriedade Intelectual reuniu experiências internacionais sobre mecanismos de proteção aos conhecimentos e expressões culturais de comunidades tradicionais e populares. Além do Brasil, representantes do Peru e Uganda também compartilharam as trajetórias de seus países nessa área. Foram destacadas ainda as iniciativas da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), que há 25 passou a olhar esse campo da cultura e a debater formas de proteção em nível internacional.
“Felizmente, as coisas mudaram e passamos a reconhecer que os conhecimentos tradicionais também são propriedades intelectuais dos povos indígenas e das comunidades locais. Ainda está em construção. Todos os países têm leis sobre patentes e marcas. Agora, estão sendo criadas formas de proteger as comunidades locais. Não é fácil, mas é o caminho que temos que fazer e cada país deve buscar o que funciona de acordo com a sua realidade. Convido vocês a protegerem suas riquezas culturais com o apoio do governo”, destacou Olga Begonha, chefe da Área de Conhecimentos Tradicionais da OMPI.
O advogado Anthony Kakooza, representante da Uganda, começou a estudar a propriedade intelectual dos conhecimentos tradicionais há 16 anos, quando percebeu que não havia nenhuma legislação que os protegessem do uso indevido, ou seja, sem consentimento e retorno financeiro às comunidades detentoras dessas práticas e saberes. Apontou como um passo importante a documentação desses saberes e expressões.
“Fazer leis para os direitos culturais começa com base de dados sobre essas expressões nas comunidades. A Índia já fez isso. Tem uma biblioteca de conhecimentos populares. Também tentamos incluir no currículo escolar matérias sobre expressões culturais porque se a criança entender desde cedo a importância dos conhecimentos e expressões culturais vai aprender que é preciso protegê-los”, recomendou.
Já o representante do Peru Manuel Ruiz pontuou que os caminhos para a proteção das expressões culturais são complexos.
“Primeiro, quero parabenizar o Brasil por fazer esse tipo de evento com distintas expressões culturais presentes. No Peru, também temos muitas tradições e biodiversidade. Fico feliz de ver a sociedade civil engajada. As vezes, pensamos que a lei é a solução para todos os problemas, mas não é bem assim. As comunidades têm seus conhecimentos tradicionais, artesanatos e expressões. Dificilmente, uma lei vai integrar tudo isso”, observou.
Ele explicou ainda que é preciso refletir sobre o significado de proteção. “Quando se fala de proteção de conhecimentos, significa trazer benefícios econômicos, promover a cultura ou proibir que sejam utilizados? A proteção tem muitos significados. Outra coisa importante é que os territórios são essenciais para proteger os direitos das culturas tradicionais. Então, há a necessidade de se criar políticas públicas de proteção aos espaços vitais onde as comunidades se desenvolvem, como as terras indígenas”, concluiu.
A mesa reuniu ainda Fernanda Kaingang, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), e a Mestra Marilda do Quilombo Santa Rita, no Rio de Janeiro.
Sobre o evento
O Seminário Internacional Culturas Tradicionais e Populares e Justiça Climática é uma realização do MinC, do Instituto Federal do Rio Grande do Norte, da Casa Cavaleiro de Jorge, com o patrocínio da Caixa Econômica Federal e o apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Governo do Distrito Federal. A programação segue até sábado (20) e faz parte do 25º Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros.
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