O déficit comercial do Brasil com os Estados Unidos pode ser usado como argumento para um eventual questionamento judicial da taxação de 50% sobre produtos brasileiros imposta pelo presidente Donald Trump. Além disso, especialistas avaliam que o uso da chamada Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA, na sigla em inglês), usada por Trump para aplicar sua política tarifária, também poderá ser citada em tribunais dos EUA em ações de empresas importadoras americanas que sejam prejudicadas pelo aumento unilateral da taxação de produtos brasileiros.
A IEEPA é uma lei federal de 1977 que autoriza presidentes americanos a regularem o comércio exterior em uma situação de emergência nacional “para lidar com qualquer ameaça incomum e extraordinária — cuja origem esteja, no todo ou em grande parte fora dos EUA — à segurança nacional, à política externa ou à economia” do país.
Os presidentes americanos têm usado essa lei para impor sanções a nações consideradas hostis, justificar controles de exportação e restringir transações e investimentos em países vistos como inimigos dos EUA. Mas um relatório do Congresso americano mostrou que nenhum presidente recorreu à IEEPA para impor tarifas a bens importados.
Em seu primeiro mandato, Trump ameaçou impor tarifas ao México usando a IEEPA, mas acabou recuando após um acordo com o país vizinho. No novo governo, a lei foi retomada para aplicar um tarifaço sobre as importações de vários países parceiros dos EUA. Estados governados por democratas contestaram judicialmente o uso da IEEPA, com o argumento de que Trump contornou ilegalmente o Congresso ao impor taxas sem aprovação parlamentar.
Decisão suspensa até 31 de julho
No fim de maio, o Tribunal de Comércio Internacional dos EUA considerou que Trump excedeu sua autoridade ao impor as chamadas tarifas recíprocas a centenas de países, em 2 de abril. A Corte, composta por três juízes, entendeu que os decretos com base na lei de emergência “excedem os poderes concedidos ao presidente para regular importações por meio do uso de tarifas aduaneiras.”
O governo Trump recorreu, e o Tribunal de Apelações Federal suspendeu sua decisão até o próximo dia 31, para ouvir os argumentos de ambos os lados. A data é a véspera do prazo estipulado por Trump para a entrada em vigor de tarifas sobre vários países, inclusive os 50% anunciados contra o Brasil.
No caso específico do Brasil, especialistas questionam o uso de uma lei de emergência contra um país com o qual os EUA tem superávit comercial. Ao contrário da grande maioria dos países taxados por Trump, o Brasil compra mais do que vende dos americanos há 16 anos.
Em nota divulgada esta semana, o banco UBS avaliou como improvável a manutenção da tarifa de 50% imposta por Trump ao Brasil. Ulrike Hoffmann-Burchardi, diretora de Investimentos para as Américas do banco suíço, diz no relatório que considera o uso da IEEPA “difícil de justificar”, dado o superávit comercial dos EUA com o Brasil. “Tendo em conta os possíveis obstáculos legais, acreditamos que a tarifa de 50% imposta ao Brasil dificilmente se tornará permanente.”
Renê Medrado, sócio de Disputas de Comércio Internacional do Pinheiro Neto Advogados e doutor em Comércio Internacional pela USP, acredita que o déficit do Brasil com os EUA pode ser usado em um questionamento judicial, mas não é necessariamente um argumento determinante:
— Empresas americanas que serão prejudicadas teriam legitimidade para tal medida e podem buscar uma decisão para evitar a cobrança. Mas vai depender se esses importadores locais se organizarão para marcar uma posição.
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‘Juridicamente, Trump não tem razão’
Para Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e sócio da consultoria BMJ, o governo brasileiro não deve questionar a medida judicialmente:
— É possível, mas o Brasil não vai fazer isso. Empresas americanas que importam do Brasil poderiam, e com um argumento bastante sólido. Mas vão ganhar na primeira instância e vai haver recurso — afirmou Barral. — Juridicamente, Trump não tem razão, mas na prática a tarifa continua sendo aplicada.
José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), também acredita que uma ação judicial só seria possível se impetrada por importadores americanos:
— Se for algum americano que importe do Brasil, poderia ser viável, mas, sendo algum exportador, poderia atiçar ainda mais a discussão. Um passo em falso prejudica tudo.