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Crédito, Reuters
O Departamento de Estado dos Estados Unidos divulgou um relatório, nesta terça-feira (12/8), afirmando que a “situação dos direitos humanos no Brasil piorou” durante o ano de 2024.
A alegação faz parte do relatório anual sobre direitos humanos que o órgão elabora anualmente em relação a diversos países.
“Questões significativas de direitos humanos incluíram relatos críveis de: assassinatos arbitrários ou ilegais; tortura ou tratamento ou punição cruel, desumano ou degradante; prisão ou detenção arbitrária; e restrições graves à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa, incluindo violência ou ameaças de violência contra jornalistas”, diz um trecho do documento.
Na avaliação do Departamento de Estado, “o governo [brasileiro] nem sempre tomou medidas críveis para identificar e punir autoridades que cometeram abusos de direitos humanos”.
A divulgação do relatório ocorre em meio a um momento de forte tensão diplomática entre Brasil e Estados Unidos desde que o presidente americano, Donald Trump, assumiu o segundo mandato, em janeiro.
Em julho, Trump anunciou tarifas de 50% sobre diversos produtos brasileiros, que passaram a entrar em vigor neste mês. Ele também atribuiu as tarifas ao processo criminal no qual Bolsonaro é réu no STF por seu suposto papel na trama golpista que resultou na invasão das sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.
Em entrevista à rádio BandNews FM na terça-feira (12/8), o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), voltou a comentar sobre a crise com os EUA e disse querer diálogo com Trump.
“Espero que algum dia eu possa encontrar com o presidente Donald Trump e conversar como dois seres humanos civilizados, dois chefes de Estado, como deve ser a relação”, afirmou Lula.
Os Estados Unidos também revogaram vistos de viagens para ministros do STF como Alexandre de Moraes e impuseram sanções econômicas ao magistrado por meio da lei global Magnitsky, destinada a punir violadores de direitos humanos.
O governo brasileiro, por sua vez, já classificou as tarifas e as sanções a Moraes como uma “chantagem” e “interferência indevida” em assuntos domésticos.
Procurado, o STF disse por meio de sua assessoria de imprensa que não se manifestaria sobre o relatório.
Os governos de São Paulo e Roraima não responderam aos questionamentos enviados pela BBC News Brasil. O Palácio do Planalto e o Ministério dos Direitos Humanos também não responderam.
‘Censura’ e ‘liberdade de expressão’
A atuação do STF em relação ao direito de expressão e à atuação de redes sociais no país foi a principal crítica do relatório à situação dos direitos humanos no Brasil.
“A situação dos direitos humanos no Brasil piorou ao longo do ano. Os tribunais tomaram medidas amplas e desproporcionais para minar a liberdade de expressão e a liberdade na internet, bloqueando o acesso de milhões de usuários a informações em uma importante plataforma de mídia social em resposta a um caso de assédio”, diz um trecho do documento.
Em outro ponto, o relatório faz críticas diretas ao STF.
“A Constituição e a lei garantem a liberdade de expressão, inclusive para membros da imprensa e de outros meios de comunicação. Decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, restringiram a liberdade de expressão de indivíduos considerados, pela Corte, em violação à lei que proíbe discurso antidemocrático”, diz o relatório.
O documento faz menção, ainda, a supostas ordens secretas proferidas por Moraes contra o X (antigo Twitter) relacionadas ao bloqueio de usuários e derrubada de conteúdo publicado por aliados do ex-presidente Bolsonaro.
“Registros judiciais revelam que o ministro Alexandre de Moraes ordenou pessoalmente a suspensão de mais de 100 perfis de usuários na plataforma de mídia social X (antigo Twitter), suprimindo de forma desproporcional a fala de defensores do ex-presidente Jair Bolsonaro, em vez de adotar medidas mais restritas para punir conteúdos que incitassem ação ilegal iminente ou assédio”.
O relatório diz que outras companhias, além do X também teriam sofrido com a suposta investida do STF contra a liberdade de expressão.
O documento citou ainda a multa imposta em agosto de 2024 por Moraes para quem tentasse acessar o X por meio de VPN — tipo de rede virtual privada que permitiria acesso a usuários mesmo com os provedores brasileiros cumprindo a medida judicial e bloqueando o acesso.
“Essa repressão ampla bloqueou o acesso dos brasileiros a informações e pontos de vista sobre uma série de questões nacionais e globais. Além disso, a proibição temporária, pelo tribunal, do uso de VPN, sob pena de multa, deteriorou ainda mais a liberdade de imprensa ao retirar proteções de privacidade de indivíduos cuja capacidade de denunciar casos de corrupção governamental dependia de poder fazê-lo de forma anônima”, diz o documento.
Críticas a mortes causadas por PM de Tarcísio
O relatório do Departamento de Estado faz citações diretas a mortes causadas por ações policiais realizadas em Estados comandados por governadores bolsonaristas na seção “Execuções Extrajudiciais”.
A principal menção é a casos ocorridos no Estado de São Paulo, comandado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), um ex-ministro do governo Bolsonaro e visto como um de seus possíveis sucessores na direita brasileira.
A principal citação é em relação às mortes ocorridas na chamada “Operação Escudo”, realizada na Baixada Santista, em julho de 2023.
“Houve vários relatos de que a polícia cometeu assassinatos arbitrários ou ilegais ao longo do ano. Algumas mortes foram atribuídas a uma operação policial contra organizações criminosas transnacionais no Estado de São Paulo, no primeiro semestre do ano, e a uma operação policial realizada entre julho de 2023 e abril na Baixada Santista, região costeira que inclui o porto de Santos”, diz o relatório.
A Operação Escudo foi desencadeada após a morte de um policial por um atirador que seria ligado ao tráfico de drogas — deixou ao menos 16 mortos no Guarujá, cidade do litoral de São Paulo.
A operação envolveu 600 agentes das polícias Civil e Militar de São Paulo no bairro Vila Zilda.
O governo federal criticou a ação policial, mas o Estado de São Paulo defende a operação.
Neste ano, um relatório sobre a Operação Escudo,elaborado pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense (UFF), e da Defensoria Pública de São Paulo, apontou o abuso de força policial. De acordo com o documento, a ação foi classificada como vingança contra jovens negros e pobres da Baixada Santista.
A BBC News Brasil enviou questionamentos ao governo de São Paulo sobre as menções feitas pelo relatório do governo americano, mas até o momento, nenhuma resposta foi dada.
O relatório também menciona uma suposta atuação de milícias formadas por policiais militares no Estado de Roraima, governado por Antônio Denarium (PP), que também é apoiador de Bolsonaro.
“Em abril (de 2024), a Polícia Civil do Estado de Roraima informou que lançou uma operação para expulsar um grupo de policiais militares de Roraima suspeitos de fazer parte de uma milícia e de um grupo de extermínio […] Mais de 100 policiais foram investigados e várias prisões foram realizadas”, diz o relatório.
A BBC News Brasil enviou questionamentos ao governo de Roraima, mas nenhuma resposta foi dada até o momento.
Crédito, Getty Images
Escalada diplomática
O relatório sobre direitos humanos no Brasil do Departamento de Estado veio a público em meio ao que especialistas apontam ser o pior momento das relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos.
O período de tensão se intensificou em julho, quando Trump ameaçou impor sanções de 50% sobre produtos brasileiros, e atravessou o mês de agosto com a imposição das tarifas e de sanções econômicas contra Alexandre de Moraes.
Na semana passada, o atrito entre os dois países ganhou novos contornos nas redes sociais. No dia 7 de agosto, a Embaixada americana em Brasília publicou, no X, uma mensagem na qual chamava Alexandre de Moraes de “principal arquiteto da censura e perseguição” contra Bolsonaro e seus apoiadores.
O texto acusava o magistrado de cometer “flagrantes violações de direitos humanos” e justificava as sanções impostas por Washington com base na Lei Global Magnitsky.
A postagem também alertava integrantes do Judiciário e de outros setores a “não apoiar nem facilitar” as ações de Moraes, afirmando que a situação estava sendo “monitorada de perto” pelo governo americano.
No dia seguinte, o Itamaraty convocou o encarregado de negócios da Embaixada dos EUA, Gabriel Escobar, para uma reunião em Brasília.
Escobar é o diplomata de mais alto escalão da missão desde que Trump reassumiu o mandato e ainda não indicou um embaixador para o posto.
No sábado (9/8), a crise se intensificou quando o vice-secretário do Departamento de Estado, Christopher Landau, publicou novas críticas, acusando Moraes de exercer “poder ditatorial” e de “destruir a relação histórica de proximidade entre Brasil e Estados Unidos”.
A embaixada republicou as declarações, reforçando o tom de confronto.
O Palácio do Planalto respondeu classificando as falas como “um ataque frontal à soberania” e acusou os Estados Unidos de “reiteradas ingerências” em assuntos internos.
Em nota, o governo disse que “não se curvará a pressões”.
A ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, foi além, chamando a publicação de “gravíssima ofensa ao Brasil, ao STF e à verdade”, com um tom “arrogante”.
O STF, por sua vez, não se pronunciou oficialmente sobre o episódio.