reescreva este conteúdo e mantenha as tags HTML
Crédito, Getty Images
-
- Author, Alessandra Corrêa
- Role, De Washington para a BBC News Brasil
Em entrevista na noite de quinta-feira (10/07) ao Jornal Nacional, da TV Globo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que a primeira etapa da reação será a formação de um grupo de empresários brasileiros de setores com grandes volumes de exportação para os EUA, como produtores de suco de laranja e aço, além da Embraer.
A ideia é diagnosticar as consequências do aumento das tarifas e buscar soluções, como a procura por novos mercados estrangeiros.
Além disso, Lula afirmou que o Brasil vai buscar uma avaliação da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre a situação.
“A partir daí, se não houver solução, nós vamos entrar com a reciprocidade já a partir do 1º de agosto, quando ele começa a taxar o Brasil”, disse o presidente à TV Globo.
Afinal, o que é a lei da reciprocidade, citada por Lula como uma possível resposta a Trump?
Sancionada pelo presidente brasileiro em abril, a Lei brasileira de Reciprocidade Econômica autoriza o governo a retaliar países ou blocos que imponham barreiras comerciais a produtos brasileiros.
Entre as medidas possíveis, o Brasil poderia impor restrições e sobretaxas na importação de bens e serviços, suspender acordos ou obrigações comerciais e, em casos excepcionais, suspender direitos de propriedade intelectual, como reconhecimento de patentes ou pagamento de royalties.
A lei determina ainda que “consultas diplomáticas serão realizadas com vistas a mitigar ou anular os efeitos das medidas e contramedidas”.
Apesar de a lei oferecer instrumentos legais para que o Poder Executivo, em coordenação com o setor privado, adote “contramedidas” em resposta a “medidas unilaterais que impactem negativamente a competitividade internacional brasileira”, uma retaliação do Brasil pode provocar uma escalada na guerra comercial.
“A resposta mais óbvia, a retaliação, viria com o Brasil impondo tarifas recíprocas ou semelhantes a produtos americanos”, diz à BBC News Brasil o especialista em relações Brasil-EUA Carlos Gustavo Poggio, professor de Relações Internacionais da universidade Berea College, no Estado americano do Kentucky.
“Mas esta não seria a melhor resposta”, avalia Poggio.
Ao comentar sobre as chances do Brasil de medir forças com os EUA, Poggio compara: “É Davi contra Golias”.
“Os EUA são um parceiro muito mais importante para o Brasil do que o Brasil é para os EUA em termos do comércio como um todo. Então, a capacidade que o Brasil tem [de retaliar] é muito limitada”, avalia.
Crédito, EPA
Na carta endereçada a Lula, em que anunciou a intenção de taxar as exportações brasileiras, Trump avisou que “se por qualquer motivo você decidir aumentar suas tarifas, então qualquer que seja o número escolhido para aumentá-las, ele será adicionado aos 50% que cobramos”.
Segundo Poggio, uma retaliação pura e simples por parte do governo brasileiro seria apenas uma questão simbólica que acabaria prejudicando o Brasil também.
“Porém, não dá para ficar totalmente sem resposta [ao anúncio de Trump]”, pondera.
Uma outra maneira de responder, segundo o analista, seria tentar fazer pressão sobre os setores específicos mais ligados ao comércio brasileiro e buscar contato com a sociedade civil americana, como parlamentares e empresários — “e ver se isso consegue chegar a Trump“.
“Trump só escuta empresários americanos que eventualmente liguem pra ele e falem ‘isso está nos prejudicando'”, observa.
Outra opção, sugere Poggio, seria tentar algum tipo de pressão regional, unindo-se a outros países, como o México.
‘O Brasil está sendo sancionado pelos EUA, assim como Irã, Venezuela ou Rússia’
Os EUA são o segundo principal destino das exportações totais brasileiras, atrás da China, e o principal destino das exportações brasileiras de produtos manufaturados.
A nova taxa representa um aumento significativo em relação aos 10% anunciados pelos EUA em 2 de abril.
Produtos como aço, petróleo, aeronaves, celulose, café, carne e suco de laranja estão entre as principais exportações brasileiras para os EUA, segundo dados do governo, e esses setores poderiam ser os mais afetados.
Entre os mais importados pelo Brasil dos EUA estão motores e máquinas não elétricos, óleos combustíveis e brutos de petróleo, aeronaves e gás natural.
O Brasil poderia redirecionar seus produtos para outros mercados, como a China.
Mas, enquanto as exportações para a China são focadas em commodities, a pauta para os EUA é mais diversificada e com valor agregado mais alto.
Entre as justificativas para as novas tarifas, Trump citou um suposto déficit comercial dos EUA com o Brasil. No entanto, dados oficiais do governo brasileiro mostram superávit para os EUA.
Em sua nota em resposta, Lula disse que “é falsa a informação, no caso da relação comercial entre Brasil e Estados Unidos, sobre o alegado déficit norte-americano”.
“As estatísticas do próprio governo dos Estados Unidos comprovam um superávit desse país no comércio de bens e serviços com o Brasil da ordem de US$ 410 bilhões ao longo dos últimos 15 anos”, diz a nota.
As justificativas de Trump para o anúncio não são meramente comerciais. Sua carta cita uma suposta perseguição que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estaria sofrendo no Brasil, onde é alvo de processo criminal no Supremo Tribunal Federal (STF) sob a acusação de liderar uma tentativa de golpe de Estado.
Crédito, Reuters
A carta de Trump também menciona decisões do STF com “centenas de ordens de censura secretas e ilegais para plataformas de mídias sociais dos EUA, ameaçando-as com milhões de dólares em multas e expulsão do mercado brasileiro de mídias sociais”.
Os principais veículos da imprensa americana também repercutiram a carta. O jornal The Washington Post afirmou que o anúncio mostra como questões pessoais, e não simplesmente econômicas, norteiam o uso de tarifas comerciais por Trump.
Na quarta-feira, o Ministério das Relações Exteriores convocou duas vezes o encarregado de negócios da Embaixada dos Estados Unidos, Gabriel Escobar, para prestar esclarecimentos.
A convocação é uma medida séria em relações internacionais e uma demonstração de desagrado com a outra nação.
A embaixadora Maria Luisa Escorel, secretária da América do Norte e Europa do Itamaraty, informou que o Brasil devolveria a carta, considerada por ela como ofensiva e contendo afirmações inverídicas e erros factuais.
Poggio, do Berea College, considera este um dos pontos mais baixos nos 200 anos de relações bilaterais entre Brasil e EUA e classifica as ações anunciadas por Trump como uma sanção ao Brasil.
“O nome que se dá a medidas coercitivas econômicas para fins políticos é sanção”, afirma.
“O Brasil está sendo sancionado pelos EUA, assim como Irã, Venezuela ou Rússia. Com a diferença que o Brasil é uma democracia e é um aliado histórico dos EUA, um país amigo dos EUA.”