Nas periferias, nos assentamentos e nos interiores, locais historicamente invisibilizados e com maior dificuldade de acesso à políticas públicas, as bibliotecas comunitárias emergem como espaços de democratização de conhecimento, transformação e promoção da cidadania e da diversidade cultural, com um foco especial no incentivo à leitura e à valorização da cultura.
Um exemplo é a Borrachalioteca, localizada no bairro Caieira, em Sabará, Minas Gerais, criada por Túlio Damascena. Ele, que cresceu em uma borracharia graças ao ofício do pai, Joaquim Damascena, percebeu cedo que, enquanto aguardavam o conserto de pneus, os clientes e moradores se sentavam para ler os jornais do dia, que seu pai sempre deixava à disposição. Foi aí que surgiu a ideia: por que não colocar alguns livros? Apaixonado pela leitura, Túlio buscou apoio para concretizar o projeto.
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A iniciativa logo ganhou destaque e tornou-se uma biblioteca comunitária, referência na cidade, não apenas como ponto de leitura, mas também como um espaço cultural. “A biblioteca ajudou a formar cidadãos mais críticos, contribuiu para que o acesso ao livro chegasse aos moradores das comunidades dos bairros Caieira e Cabral, periferias de Sabará. Foi também um importante polo cultural da região, com atividades ligadas ao livro, leitura e literatura em diversos momentos”, explica o idealizador.
Túlio conta que, ao longo dos anos, acompanhou muitas histórias de impacto positivo. Um exemplo é o caso uma mediadora de leitura, que começou a frequentar o espaço ainda criança.
“Ela sempre foi incentivada pela mãe a ler, retirando livros emprestados na biblioteca. O resultado? Ela estudou, se formou, cursou Matemática e hoje é professora, atuando também no espaço como mediadora de leitura”, conta.
Depois de 20 anos, a biblioteca saiu da borracharia e passou a funcionar em um prédio público, cedido pela administração municipal. Hoje, a instituição conta com dois espaços na cidade, que, juntos, possuem um acervo diversificado de mais de 10 mil títulos, abrangendo obras para crianças, jovens e adultos. Os locais estão abertos ao público para leitura e empréstimo de livros.
O projeto também realiza ações junto a escolas e instituições parceiras, além de promover oficinas de desenho e escrita, artesanato, encontros com escritores e outras atividades culturais. Todo o acervo está disponível para empréstimo gratuitamente, mediante um cadastro simples. Em 2007, a Borrachalioteca foi reconhecida com o Prêmio Vivaleitura, que valoriza ações de leitura, literatura, escrita e o fortalecimento de bibliotecas como ferramentas de transformação social e educacional.
“Os moradores têm a biblioteca como parte de sua vida, sentem-se pertencentes ao espaço. Eles dão dicas de livros, se envolvem em todas as atividades e estão em constante diálogo para propor melhorias e sugestões. Ao longo do ano de 2024, emprestamos mais de 1.500 livros, realizamos mais de 60 atividades culturais e tivemos a participação de mais de quatro mil pessoas. São essas pessoas que fazem com que a biblioteca seja viva”, conta Túlio.
Biblioteca Comunitária do assentamento Novo Horizonte
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Outra iniciativa potente está no Assentamento Novo Horizonte, em Tururu, interior do Ceará. A Biblioteca Comunitária Gleiciane Rodrigues de Sousa, conhecida como Biblioteca Novo Horizonte, se propõe, desde 2006, como um espaço essencial de resistência cultural, incentivo à leitura e fortalecimento comunitário. Idealizada por Eliane Saraiva, que coordenava um grupo de jovens do assentamento, a biblioteca surgiu da vontade de democratizar o acesso ao livro em uma região onde, até então, não havia biblioteca pública.
“Democratizar o acesso ao livro e promover o incentivo à leitura na comunidade, contribuindo, assim, para o desenvolvimento social e cultural da população camponesa, crianças, jovens, adultos e idosos, assentados da reforma agrária e agricultores familiares ”, destaca Eliane Saraiva, coordenadora da biblioteca.
Com funcionamento ampliado para atender estudantes do ensino integral, o espaço está aberto de segunda a domingo, oferecendo não apenas empréstimos de livros, mas também atividades como turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), reuniões culturais, clubes de leitura, grupos de estudo para concursos e até mesmo apoio pedagógico e tecnológico.
Ao longo de seus 18 anos, a biblioteca conquistou reconhecimento e apoio por meio de prêmios e editais, como o Concurso Pontos de Leitura Machado de Assis (2008), Editais do Estado do Ceará (2009 e 2013), e mais recentemente o Prêmio Pontos de Leitura 2023 do Ministério da Cultura, além do Edital Vozes Plurais da Secretaria de Cultura do Ceará.
O principal sonho da Biblioteca Novo Horizonte, segundo ela, é fortalecer um coletivo de bibliotecas comunitárias camponesas, assegurando o acesso à leitura e à cultura para populações do campo, ribeirinhos, assentados e agricultores familiares. “Queremos reafirmar a importância desses espaços para o desenvolvimento social, político e cultural da nossa região,” enfatiza.
Biblioteca Comunitária Maria Dolores
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Na região norte do Brasil, em Itacoatiara, Amazonas, a Biblioteca Comunitária Maria Dolores, é um espaço de promoção da leitura e cidadania, e como um exemplo de transformação social e cultural. Ela está inserida no contexto do Centro Espírita Maria Dolores, que é o representante legal da Obra Social Chico Xavier.
Com três anos de atuação, a biblioteca se tornou referência no município, oferecendo não apenas acesso a livros, mas também projetos sociais, culturais e educativos que alcançam crianças, jovens, adultos e idosos em situação de vulnerabilidade.
“A biblioteca atua como ponte entre a comunidade e as políticas públicas, auxiliando pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social. Mantemos diálogo constante com o Conselho Tutelar, o Ministério Público e outras redes de proteção para garantir o acesso à educação, à cultura e aos direitos básicos de cidadania’, explica Ethel Silva de Oliveira, uma das coordenadoras.
Nos últimos anos, o apoio de políticas públicas voltadas à leitura e cultura, como a Lei Aldir Blanc de Fomento à Cultura e a Lei Paulo Gustavo (LPG) do MinC, foram fundamentais para a manutenção e ampliação de suas atividades.
O recurso da LPG, por exemplo, foi essencial para transformar o salão principal da biblioteca em uma sala de cinema. “O Cine Biblioteca trouxe a oportunidade de unir cultura e educação em um formato inovador. Recebemos turmas escolares para sessões de filmes nacionais e regionais, seguidas de mediações que conectam as obras à literatura e incentivam o debate”, conta Katiani Fernanda Antunes, também coordenadora do espaço.
Além disso, a Aldir Blanc possibilitou a manutenção de despesas como vigilância, limpeza e aquisição de livros novos. Essa melhoria no acervo impulsionou o número de empréstimos e ampliou o alcance do projeto junto à comunidade.
“Durante seis meses, conseguimos oferecer um ambiente ainda mais acolhedor e com novos títulos, o que motivou muitas pessoas a se aproximarem da leitura”, completa.
Democratização do acesso ao livro e à leitura
O MinC tem trabalhado para fortalecer a área literária e ampliar o acesso à leitura por meio de ações específicas voltadas para a democratização do livro e o fortalecimento das bibliotecas comunitárias. As iniciativas incluem distribuição de livros, criação de bibliotecas, modernização de acervos e premiações literárias.
As três iniciativas de bibliotecas comunitárias estão cadastradas e fazem parte do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP) – órgão da administração federal do Brasil encarregado pela política nacional das bibliotecas públicas.
“As bibliotecas comunitárias têm tido um papel essencial na democratização de acesso ao livro e à leitura, na formação de leitores e de mediadores. São elas que ocupam os espaços de compartilhamento e cultura em muitas comunidades. É inspirador o trabalho que elas conseguem realizar nos lugares mais remotos do nosso imenso país. E é por isso que as comunitárias são peças fundamentais para nosso Sistema Nacional de Bibliotecas”, enfatiza a coordenadora geral de Leitura e Bibliotecas do MinC, Nadja Cezar.
Além disso, a Pasta está implementando um conjunto robusto de ações para fomentar a leitura no Brasil. Como o Novo Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), com políticas para promoção do livro e da leitura em todo o país, a iniciativa vai para consulta pública no primeiro semestre de 2025. Estado e sociedade construindo um país de leitores. O PNLL é um conjunto de políticas, programas, projetos e ações continuadas que tem como objetivo a formulação permanente de estratégias para o desenvolvimento da capacidade leitora no Brasil.
O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), com investimento de R$ 50 milhões, cerca de 4 mil bibliotecas públicas e comunitárias receberão 4,1 milhões de livros, renovando seus acervos e ampliando o acesso à leitura. Por meio do edital Pontos de Leitura, o MinC modernizou 310 bibliotecas comunitárias com investimento de R$ 9,3 milhões. Há bibliotecas nos CEUs da Cultura, nos Centros de Artes e Esportes Unificados (CEUs), 241 bibliotecas estão sendo equipadas com kits de 1,6 mil livros, representando um investimento de R$ 554,3 milhões.
Nas bibliotecas volantes do MOvCEUs, o projeto disponibiliza 50 veículos, em mais de 150 localidades. Promovem acesso itinerante à leitura em regiões remotas. Há também as Bibliotecas no Programa Minha Casa, Minha Vida. A iniciativa prevê a instalação de 1.500 bibliotecas em empreendimentos habitacionais, cada uma com um acervo de 500 livros, totalizando 750 mil unidades distribuídas.
Premiações literárias
O MinC também reconhece e incentiva práticas que promovem o livro e a leitura com diversas premiações. O Prêmio Vivaleitura irá destinar R$ 550 mil para reconhecer e valorizar ações de leitura, literatura, escrita e de fortalecimento de bibliotecas e espaços culturais como ferramentas de transformação social e educacional. As inscrições on-line começam dia 10 de junho e seguem até 11 de julho de 2025. Mais informações, na Plataforma do Mapa da Cultura.
O Prêmio Carolina Maria de Jesus é voltado exclusivamente para mulheres, com distribuição de R$ 3,65 milhões entre 73 autoras. O Prêmio Pontos de Leitura modernizou 310 bibliotecas comunitárias, com R$ 9,3 milhões em investimentos. No Territórios da Escrita, mais de 23 mil pessoas participaram de formações gratuitas em escrita literária, com R$ 2 milhões investidos.
Literatura brasileira no exterior
O Programa de Apoio à Tradução de Autores Brasileiros no Exterior destinou mais de R$ 3 milhões para traduzir obras nacionais para idiomas como inglês, alemão e mandarim, projetando a literatura brasileira no cenário global. Com um investimento total de R$ 103,8 milhões, o Ministério da Cultura reafirma seu compromisso de democratizar o acesso ao livro e à leitura, formar novos leitores e fortalecer as bibliotecas comunitárias em todo o país.
Incentivos pela Lei Rouanet
A Lei Rouanet tem sido fundamental para o apoio à literatura por meio de Feiras e Festivais Literários: 104 projetos financiados, com aporte de R$ 58,8 milhões. Para Publicação de Livros, 246 projetos são apoiados, totalizando R$ 30,7 milhões em investimentos. Em Modernização de Bibliotecas são 40 espaços reformados e equipados, com investimento de R$ 23,5 milhões.
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