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Crédito, Presidência da República/Reuters
Esta é a primeira vez que o petista visita o país vizinho, maior parceiro comercial na América Latina, desde que Milei assumiu a Presidência, em dezembro de 2023.
A visita ocorre enquanto os dois presidentes vivem momentos diferentes da sua popularidade.
Lula passa por desgastes que refletem em um alto índice de desaprovação de seu governo — 40%, segundo levantamento do Datafolha de junho — enquanto é mal avaliado também no exterior — “incoerente no exterior” e “impopular no Brasil”, segundo a revista liberal The Economist.
A mesma publicação avaliou Milei, em novembro do ano passado, como alguém que estava fazendo um “experimento extraordinário”.
Lula e Milei se antagonizam muito antes da avaliação da revista liberal. O economista argentino, que se autodefine como “anarcocapitalista”, endereça provocações ao presidente brasileiro desde as eleições na Argentina, em 2023.
Ainda quando era candidato, Milei disse que Lula era um “comunista nervoso”. O acusou, sem apresentar provas, de financiar a campanha de seu adversário, Sergio Massa, recebido por Lula no Planalto durante a campanha argentina.
Dias antes do segundo turno, Lula afirmou que a Argentina precisava de um presidente de “gostasse de democracia”.
Passadas as eleições, as rusgas continuaram. O petista não foi à cerimônia de posse de Milei, enquanto o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não só compareceu, como se sentou ao lado dos demais chefes de Estado.
A animosidade entre os dois amargou a relação diplomática entre os países: Lula nunca esteve na Argentina sob o comando de Milei até agora.
Já seu homólogo já esteve no Brasil em dois momentos. Mas ao menos um deles não foi nada protocolar.
A primeira visita foi durante a 64ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, em julho do ano passado, mas ele não compareceu. Ao invés disso, viajou para Balneário Camboriú (SC) onde participou da Conferência de Ação Política Conservadora (CAPC), um fórum da direita brasileira, organizado pelo deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) .
Crédito, Tomás Cuesta/Reuters
Na segunda vez, esteve no encontro do G20, grupo das maiores economias do mundo, em novembro do ano passado. Na ocasião, ficou frente a frente Lula pela primeira vez. Sem sorrisos, ambos se cumprimentaram e tiraram uma foto protocolar.
A agenda oficial de Lula na Argentina ainda não foi divulgada, segundo a Secretaria de Comunicação do Planalto. Ainda não é possível saber se, além do encontro do Mercosul, haverá uma reunião bilateral entre Lula e Milei, algo considerado no momento pouco provável, no entanto.
Também não está confirmada uma possível visita à ex-presidente Cristina Kirchner, adversária política de Milei. Ela está em prisão domiciliar, após ser condenada a seis anos de reclusão por administração fraudulenta em detrimento do Estado.
A informação sobre a possível visita de Lula a Cristina Kirchner foi dada pelo deputado e ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta (PT), à rádio argentina AM 750.
Enquanto esteve preso, entre 2018 e 2019, Lula recebeu a visita de Alberto Fernández, na época candidato peronista e de quem Cristina viria a ser vice-presidente.
Para Regiane Bressan, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), essa visita seria um “constrangimento”.
“É uma forma de agradecer todo o apoio que ele recebeu quando preso. Mas, acho que se ele fizer isso, vai ser com grande discrição.”
1. Jogo para a plateia
Apesar das rusgas entre Lula e Milei no campo ideológico, que, na maior parte das vezes, não passa de publicações nas redes sociais ou fotos pouco calorosas, os interesses convergem em muitos outros temas, defende Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“Os dois chefes de Estado têm uma visão de mundo diferente, mas é evidente que continua havendo muitos interesses em comum, envolvendo a negociação com a União Europeia, o combate ao narcotráfico e a redução de barreiras que existe entre os dois países no comércio.”
Stuenkel diz que ambos os presidentes sabem que precisam preservar a relação mútua.
“Essa viagem mostra o quão importante é ter uma cooperação institucionalizada entre Brasil e Argentina”, diz.
Para isso, diz Bressan, eles devem evitar “falar de pontos polêmicos”.
Em entrevista ao jornal O Globo na terça-feira (1/7), o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou que o foco do encontro será a agenda do bloco e não questões políticas.
“Há duas cúpulas [do Mercosul] por ano. Há momentos em que é especificamente [a agenda do] Mercosul e há momentos em que há espaço para coisas políticas”, disse Vieira.
“Desta vez, da própria forma como foi organizado pela presidência argentina, vai ser um período muito curto”, afirmou ministro, acrescentando que Lula participará da reunião com os presidentes do bloco na quinta-feira pela manhã e voltará em seguida ao Brasil.
2. Cúpula do Mercosul
Criado em 1991, o Mercosul é formado por Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e, agora, também pela Bolívia, que está em processo de adesão. A Venezuela está suspensa desde 2017, devido à “ruptura da ordem democrática”.
A presidência do bloco é rotativa, a cada seis meses, e é por ordem alfabética dos países.
“Nesses seis meses, a Argentina apresentou poucos avanços, tendo um empenho modesto, e o Brasil continuou liderando o acordo entre o Mercosul e a União Europeia”, afirma Bressan.
Um acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE) visa estabelecer uma área de livre comércio entre as duas regiões e vem sendo negociado há mais de duas décadas. Foi finalmente anunciado em dezembro, mas ainda precisa ser ratificado por cada um dos parlamentos dos países-membro da União Europeia.
A França é a principal opositora à ideia, devido à forte recusa de produtores agrícolas do país. O setor alega que a entrada em vigor do tratado colocaria em risco milhares de empregos ao abrir as portas do mercado francês a produtos agrícolas produzidos sem os mesmos padrões de qualidade ambiental e sanitários exigidos dos fazendeiros franceses.
Para Bressan, quando o Brasil assumir a presidência do Mercosul, as negociações devem avançar. “E isso é bom para o Milei”, diz a professora da Unifesp.
“As políticas econômicas que sustentam Milei, as bases de apoio, são favoráveis ao acordo com a União Europeia.”
Crédito, Ricardo Moraes/Reuters
Stuenkel ressalta que, se o acordo com a UE for ratificado, isso vai fortalecer muito o Mercosul.
“É um passo gigantesco, seria o maior acordo na história do Mercosul e da União Europeia, e, portanto, da relação entre o Brasil e Argentina. Milei e Lula nesse quesito estão alinhados.”
Embora Milei estivesse oficialmente no comando do Mercosul, ele sempre defendeu, desde antes mesmo de ser eleito, a saída da Argentina do bloco.
O Mercosul, segundo afirmou em agosto de 2023, logo após as primárias na Argentina que o apontaram como favorito para a eleição, “cria distorções comerciais e prejudica seus membros”, conforme disse à Bloomberg Línea.
De lá para cá, Milei seguiu ameaçando sair do bloco, caso isso seja condição para selar um eventual acordo de livre comércio com os Estados Unidos.
“O primeiro passo nesta trilha é a oportunidade histórica que temos de entrar em um acordo comercial com os EUA”, afirmou Milei, durante um discurso na abertura do Congresso argentino, em março.
“Para aproveitar esta oportunidade histórica que nos é apresentada novamente, é necessário estar disposto a flexibilizar ou mesmo se for o caso sair do Mercosul, que a única coisa que conseguiu desde a sua criação é enriquecer os grandes industriais brasileiros às custas do empobrecimento dos argentinos.”
Para Bressan, esse acordo com os Estados Unidos são “um grande devaneio” de Milei.
“Os Estados Unidos têm um olhar muito pragmático para a América Latina”, diz a professora.
“Eles não vão fazer parceria com um país quebrado. Milei usa isso na sua retórica, tentando encontrar nela um apoio da extrema-direita, mas acho pouquíssimo factível, muito improvável.”
Para Stuenkel, a pior das hipóteses em relação à cúpula de agora seria se houvesse poucos avanços na agenda do bloco. “Mas não há risco de um retrocesso enorme”, diz o professor.
“As divergências são estruturais. A Argentina tem um certo receio que o Brasil adote uma postura regional mais assertiva, e esse é um temor que já ocorria com [o ex-presidente argentino] Néstor Kirchner. Mesmo com alinhamento ideológico entre os dois países, eles não resolveram muitas das barreiras que ainda existem em alguns setores.”
3. G20
Os interesses em comum de Brasil e Argentina devem prevalecer em relação às diferenças ideológicas, conforme os especialistas apontaram.
No primeiro encontro entre os presidentes, ocorrido no fim do ano passado durante a cúpula do G20 no Brasil, Lula recepcionou Milei de maneira protocolar, algo recíproco.
A foto dos chefes de Estado sérios e distantes circulou pelas redes sociais, sendo comparada aos sorrisos de Lula ao lado de outros líderes, como os presidentes da França, Emmanuel Macron, e do Chile, Gabriel Boric.
No documento final do encontro, que reúne as 19 maiores economias do mundo além da União Europeia e União Africana, Milei se opôs a menções a termos como a taxação de super-ricos e temas como a igualdade de gênero e empoderamento das mulheres.
Ainda assim, acabou cedendo diante do consenso do grupo, e assinou o documento que menciona uma taxação inédita aos super-ricos para o combate à pobreza.
“Milei faz críticas bem duras ao Mercosul, mas veio ao Brasil na cúpula do G20”, pondera Bressan.
“Isso é um ponto importante, porque a diplomacia brasileira conseguiu acolher ele, permitindo que ele falasse, expusesse todas as insatisfações e fazendo com que ele assinasse o documento da aliança mundial contra a fome, o que foi muito bom para a diplomacia brasileira.”
4. Trump e o bolsonarismo
Desde que assumiu a Presidência da Argentina, o farol ideológico de Milei é Donald Trump. O presidente americano o convidou para a cerimônia de posse quando assumiu a Casa Branca em janeiro, mas não fez o mesmo com Lula.
Diante do impedimento que o Supremo Tribunal Federal impôs à ida de Bolsonaro ao evento, Milei lamentou, atribuindo a ausência ao “regime de Lula”.
A agenda do argentino segue a cartilha de Trump, como a negação da emergência climática, os ataques nas redes sociais, a restrição aos imigrantes e o apoio a Israel.
O país comandado por Benjamin Netanyahu foi a segunda nação visitada por Milei após a posse. A primeira viagem internacional foi à Suíça, em janeiro de 2024, onde participou do Fórum Econômico Mundial, em Davos.
Lá, ele afirmou que o Ocidente está em perigo por causa de “ideias socialistas”.
Mais tarde, em abril deste ano, Milei insinuou que o Brasil deveria agradecê-lo, porque, segundo ele, a tarifa imposta por Trump em seu tarifaço ao Brasil, de 10%, teria ocorrido graças à boa relação que ele tem com o presidente americano.
A afirmação foi questionada por Mauro Vieira. “Há dados que comprovem essa fala?”, questionou o ministro à CNN.